opinião

Anacleto Reinaldo e a liberdade de imprensa - Por Mabel Dias

Radialista teve sua carreira marcada pela forma como tratava as notícias

“Vagabundos”, “preguiçosos”, “maconheiros safados”. Estes foram alguns dos adjetivos pejorativos que o chamado radialista, já falecido, Anacleto Reinaldo, usou para se referir aos indígenas brasileiros, em particular, os da Paraíba.
A opinião preconceituosa de Anacleto foi reproduzida pela rádio Lider FM (100.5) da cidade de Santa Rita no dia 19 de abril (Dia do índio) de 2016 e foi ouvida pelos indígenas do estado. Organizados, eles procuraram o Ministério Público Federal (MPF), localizado no centro de João Pessoa, e fizeram uma representação contra o radialista. A Lider FM foi procurada pelo MPF e pela Defensoria Pública da União (DPU) para firmar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), que visava a reparação de mensagens ofensivas contra a população indígena.

O acordo previa ainda que a rádio veiculasse em sua programação dez spots de 30 segundos cada com mensagens dos indígenas falando sobre a sua cultura. A produção das mensagens de rádio foi uma das ações do Grupo de Trabalho (GT) Mídia, Violência e Direitos Humanos, criado no âmbito do Fórum Metropolitano de Discussão e Diálogo de Prevenção e Monitoramento de Violências. O GT é formado por representantes do MPF, DPU, Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e da ONG Dignitatis – Assessoria Técnica Popular. A coordenação da gravação dos spots ficou sobre a responsabilidade do professor Carmélio Reinaldo, da Universidade Federal da Paraíba.

Esta ação mostra que as violações aos direitos humanos das chamadas minorias não pode passar impune. Mas é isso que acontece diariamente, nos mais diversos veículos de comunicação. A direção da Lider FM, assim como os colegas de profissão de Anacleto, veem de maneira jocosa as suas opiniões transmitidas pela imprensa. Mesmo depois de morto, seus áudios ainda são reproduzidos pela Líder, apesar do TAC firmado com o MPF e a DPU.

Não é só contra as populações indígenas que Anacleto proferia seu ódio discriminador. Mulheres, população LGBT, e negros são outros públicos que ele atacava em seu programa. Até o ano passado, nada era feito. Essa ação promovida pelo MPF e a DPU cria um marco na mídia paraibana e mostra que a imprensa não pode sair atropelando as leis brasileiras.

Em 2011, a jornalista e doutoranda pela UFRJ, Janaine Aires, já chamava a atenção para o discurso preocupante de Anacleto. Ela relatou no blog Observatório da Mídia Paraibana, o caso da estudante de 13 anos, Andreza, que foi assassinada no bairro onde morava. Sobre o crime, Anacleto chegou a dizer: “’por isso que eu digo, você que é pobre e vai parir – Anacleto se acocora e faz um gesto ilustrativo de que está parindo algo, de parto normal – , pegue o seu menino e leve para uma creche para não acabar como essa dai’.”

“’Coloque em uma creche para não crescer e virar uma rapariguinha pequena ou um maconheirozinho fedorento’.’ladrão-safado, viado-maconheiro’.”

Para fortalecer ainda mais esta luta por uma mídia não discriminatória, foi criado em São Paulo o Fórum Interinstitucional do Direito à Comunicação (Findac). A Paraíba é o segundo estado do Brasil a organizar o fórum, que vem se reunindo uma vez por mês em João Pessoa.

O Findac é formado pelo MPF e representações da sociedade civil, como o Intervozes, um coletivo que luta pelo direito humano à comunicação.

A liberdade de expressão é um bem inalienável e deve ser preservado pela sociedade. A imprensa cumpre um importante papel social, porém, não pode violar as liberdades individuais e os direitos de cada pessoa. Deve agir com responsabilidade e seus profissionais devem primar pelo respeito ao código de ética da categoria, como também, às legislações em vigor no Brasil, como a Constituição. O caso de Anacleto Reinaldo não é um caso isolado. E, infelizmente, não é apenas na Paraíba, que isso acontece. Mas, a sociedade civil e os órgãos que primam pelo respeito a legalidade e pelo direito a uma comunicação ética e de qualidade, estão de prontidão e atuantes para barrar qualquer tipo de violação aos direitos humanos.

Fonte: Mabel Dias