Monarquistas esperançosos

VOLTA DO IMPÉRIO: Uma noite na Corte do príncipe Bertrand, herdeiro do trono

BRASÍLIA — Noite de quinta-feira, passa das 19h30, e todos no pequeno auditório de um centro cultural na Asa Norte, em Brasília, parecem ansiosos ao olhar para uma pomposa poltrona vazia ao centro do palco. Meia-hora se passa, até que um cerimonialista imposta a voz e anuncia a chegada do homem mais aguardado da noite.

– Recebam Sua Alteza Imperial e Real Dom Bertrand de Orleans e Bragança – diz o mestre de cerimônias, com um broche dourado pregado na lapela do terno cinza escuro, que traz o desenho da bandeira do Brasil durante o Império.

Autodeclarado o segundo na linha de sucessão ao trono do Brasil, Dom Bertrand, com 77 anos, sobe lentamente as escadas em direção ao palco vestindo um bem cortado terno preto que combina com os sapatos de couro italiano, também em cor preta. Bisneto da Princesa Isabel e trineto do Dom Pedro II, ele acena sorridente enquanto é recepcionado por calorosos aplausos dos mais de 150 súditos presentes ao evento. A admiração da Corte por seu soberano parece ignorar o fato de que o trono reivindicado por Dom Bertrand já não existe há 129 anos, desde a proclamação da República, em 1889.

O “trono” do príncipe imperial — uma poltrona puída modelo Luís XV, estofada em capitonê — está cuidadosamente posicionado sobre um tapete retangular, cercado por duas cadeiras de madeira ordinárias. Elas estão reservadas aos cortesãos convidados pelo soberano para a noite de reflexões sobre os valores da monarquia. Do lado direito do príncipe, senta o diplomata César Barrio, que terá a honra de discursar à Corte sobre a diplomacia brasileira no Império. Do lado esquerdo, a youtuber Débora Settim, conhecida por fazer “ativismo monárquico” nas redes sociais.

Antes que o soberano se pronuncie, acontecem os rituais típicos de encontros monarquistas. Seguindo o protocolo real, todos levantam-se e colocam a mão direita no peito para ouvir o hino da Independência do Brasil, musicado pelo próprio imperador Dom Pedro I em 1824. “Brava gente brasileira, longe vá, temor servil, ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil”, murmuram os presentes, ladeados por duas enormes bandeiras do Império pregadas nas paredes do auditório.

Após ouvir respeitosamente os demais palestrantes por mais de duas horas, chega finalmente a vez de o príncipe imperial falar aos súditos:

— Todas as crianças nascem monarquistas, depois é que são corrompidas pelo regime republicano. Todas querem brincar de principezinho, princesinha. Nunca vi uma criança brincando de presidentezinho, de primeira-daminha — discursa.

Apoiado em um modesto púlpito de madeira, Dom Bertrand discursa longamente sobre a importância de se restaurar a monarquia no Brasil e sobre como o brasileiro é “bom e monarquista em sua essência”. Não demora até que apresente suas críticas à corrupção dos anos de República e aos políticos, especialmente os do PT.

— Temos 129 anos de República e qual o resultado? Corrupção, frustração e falsas esperanças no futuro de uma eleição. Essa eleição não vai resolver nada, porque cada presidente forma ministério comprando apoio dos partidos. É uma casa de negócios, como Rui Barbosa dizia –— diz o príncipe, com semblante preocupado.

Cerca de 150 pessoas participarem de evento com príncipe – Leticia Fernandes/Agência O Globo
Não há no discurso de Dom Bertrand qualquer menção a fatos desabonadores dos anos de Império. Defensor ferrenho do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o príncipe herdeiro não poupa petistas e movimentos como o MST. Para ele, a República é que foi um golpe.

— Por mais que o PT e esquerdistas queiram criar um clima de luta de classes, não conseguem, porque o povo brasileiro é bom. Casco nos pés? Talvez algum petista tenha, mas nós não temos — discursou, arrancando risos de uma plateia fiel.

O evento foi organizado pelo movimento “Brasília capital do Império”, grupo monarquista que milita para que, caso o Brasil volte ao regime abandonado há centenas de anos, Brasília seja o símbolo maior do Império. Assim como as mais que conhecidas ressalvas do soberano ao PT, os organizadores do encontro também criticaram o PSDB que, por sua origem social-democrata, foi considerado “claramente de esquerda” e, por isso, adversário dos interesses da monarquia.

Em um dos momentos mais “modernos” da noite, quem falou foi a youtuber Débora Settim. Embora seu soberano deplore a República brasileira, a convidada inicia o discurso com rasgados elogios ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, em sua opinião, “está fazendo um belíssimo trabalho”. Ela também não escondeu a admiração pelo deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), pré-candidato à Presidência – da República.

Apesar das críticas ao regime atual, em abril de 1993 os brasileiros foram questionados e a maioria negou a volta da monarquia. Em um plebiscito no qual foi perguntado à população qual regime preferia, se Monarquia ou República, e qual sistema de governo, se parlamentarismo ou presidencialismo, a República venceu com 66,26% dos votos, contra apenas 10,25% de votos dos que queriam a volta da monarquia. Também saiu vencedor o sistema presidencialista, que teve 55,67% dos votos, contra 24,91% para os defensores do parlamentarismo.

Fonte: O Globo
Créditos: O Globo