Terapia ou distração

Verdades e mentiras sobre o ‘spinner’, o brinquedo que está distraindo seu filho na classe

Spinner
Só na primeira semana de maio as vendas de ‘spinners’ na Espanha se multiplicaram por quatro em relação ao mês de fevereiro.

Custa uns 8 reais, é vendido em qualquer loja de bairro de chineses e um grande número de estudantes entre 7 e 14 anos tem um nas mãos neste momento. Há algumas semanas ninguém sabia o que era um fidget spinner. Hoje, pais, professores e especialistas convivem com esse brinquedo ao qual são atribuídas, não sem certa polêmica, propriedades terapêuticas e antiestresse.

O invento não poderia ser mais simples. Trata-se de um troço de plástico (o mais comum, mas há de outros materiais) que pode ficar girando nos dedos entre 2 e 4 minutos, dependendo da energia com a qual for impulsionado. O básico, de três pontas, é o mais vendido, embora também haja designs com duas ou cinco pontas. Há modelos coloridos e estampados, alguns até se iluminam. Trata-se, definitivamente, de uma espécie de pião moderno.

Ainda há muito desconhecimento em torno dos spinners. Por isso, o EL PAÍS se propôs a analisar os aspectos cruciais de seu sucesso, ajudados por especialistas que esclarecem o que há de verdade em tudo o que se conta sobre esse brinquedo.

Mentira: é terapêutico

“No momento, vender um spinner como um remédio para transtornos de déficit de atenção é uma fraude. É preciso pesquisar muito mais. É muito preocupante a tendência da sociedade de vender qualquer coisa como terapêutica sem evidências científicas”, argumenta a psiquiatra infantil Beatriz Martinez.

O spinner é vendido como brinquedo terapêutico para crianças com déficit de atenção e até como um apetrecho antiestresse para adultos. No entanto, os especialistas com os quais conversamos não acreditam na sua capacidade reabilitadora. “Conseguir fazer com que uma criança com déficit de atenção se concentre em algo que se move é simples, mas não produtivo porque não tem repercussão no longo prazo. O spinner não regula o sistema atencional, que é o que realmente se precisa trabalhar nesses casos”, argumenta Álvaro Bilbao, neuropsicólogo e autor do livro El Cérebro del Niño Explicado a los Padres (O Cérebro da Criança Explicado aos Pais).

Segundo o especialista, o que realmente funciona é trabalhar o autocontrole, os limites e as normas. “A conquista é conseguir que a criança se concentre sozinha, sem ajuda de um dispositivo hipnótico. Uma boa forma de incentivar isso em um caso de déficit de atenção é estimulá-la para que aguente o máximo possível tranquila e concentrada, fazendo a lição de casa, por exemplo, sem a ajuda de nenhum impulso externo, e que vá superando sua marca pessoal.”

“É preciso enviar mensagens realistas aos pais e não vender remédios milagrosos que não existem. Eu não os compraria para meus filhos. Mas também não quero causar alarme: um spinner é totalmente inócuo”, afirma o neuropsicólogo.

Verdade: é o brinquedo do momento

Os spinners podem ser comprados em qualquer lojinha de bairro e em grandes lojas de departamentos, onde começam a se esgotar. Em plataformas de venda online, como Amazon ou AliExpress, o aumento das vendas desse brinquedo é espetacular.  “Somente na primeira semana de maio as vendas de spinners na Espanha se multiplicaram por quatro em relação ao mês de fevereiro.”, informam na Amazon Espanha.

Mas, a que se deve tanto furor? O neuropsicólogo Álvaro Bilbao arranjou um para tentar entender o fenômeno: “Acho que é divertido porque não para de se mexer e o barulho que faz é bastante hipnótico. No final você fica preocupado em ver quando vai parar de girar”.

Verdade: é viciante porque é simples

Laura, uma estudante de 13 anos, conta que há um mês todos os seus colegas na escola têm o dispositivo, apesar de não ser permitido brincar com os spinners durante a aula: “Só podemos usá-los no recreio. É divertido porque é muito fácil de usar. Todo mundo pode fazer com que se mexam. Girar o spinner relaxa”.

Miguel Ángel, pai de uma menina de 7 anos, decidiu testar o brinquedo que a maioria dos colegas da filha leva para a sala de aula, incluindo ela. Esta é sua conclusão: “Não me parece que tenha nada de especial, simplesmente é uma coisa que gira. Lembra um pouco o ioiô, que a única coisa que fazia era subir e descer. Talvez essa simplicidade seja o que o torna viciante. Dominá-lo requer pequenos desafios que se vai superando sem problema. Primeiro você pensa: serei capaz de fazê-lo girar sem que caia? E quando você constata que é a coisa mais fácil do mundo, experimenta fazer com cada dedo da mão. E por último, com o nariz”.

Mentira: não desconcentra as crianças na classe

“Tive que confiscar vários na sala de aula. As crianças os usam enquanto você está explicando a lição e estão mais preocupadas em ver quanto tempo o spinner aguenta em movimento do que o que você está lhes dizendo”, explica Marta Lozano, professora de um colégio de Madri. Essa escola não é a única em que esses pequenos brinquedos proliferam. “Em minha classe todos temos um. Se o pegamos enquanto estamos na aula, a professora nos toma”, conta María, aluna do primeiro ano do fundamental.

A atriz Julianne Moore e sua filha Liv Freundlich, de 15 anos, fazendo uma parada no West Village nova-iorquino para comprar um 'spinner', em maio.
A atriz Julianne Moore e sua filha Liv Freundlich, de 15 anos, fazendo uma parada no West Village nova-iorquino para comprar um ‘spinner’, em maio. CORDON

Perguntar-se por que entusiasma tanto os mais jovens é inevitável. A resposta que uma menina de 7 anos pode dar a essa pergunta também é: “Porque sim. Porque é muito legal. Porque gira”, pondera María.

Verdade: foi criado por uma mulher que não ganhou um centavo

Catherine Hettinger (62 anos, Flórida) criou o fidget spinner em 1993 com a única finalidade de interagir com sua filha Sarah. Hettinger sofre de miastenia (doença que afeta os músculos e provoca fadiga) e essa era uma das poucas maneiras que tinha de brincar com Sarah. Em 2005, a patente caducou e não pôde pagar o equivalente a 1.300 reais que custava a renovação. Quase 25 anos depois de o inventar, todos os dias são vendidos milhares deles e ela não recebe nem um centavo dos lucros que seus spinners geram. No entanto, Hettinger, que agora poderia ser milionária, não vive torturada por sua má sorte. “Pelo contrário. Estou muito emocionada por ver que algo que criei tem tanto sucesso. Minha principal motivação nunca foi ganhar dinheiro com os spinners”, declarou a norte-americana a The Guardian.

Mentira: há estudos que endossam sua eficácia

Muitos dos sites que o colocam à venda anunciam o spinner como um dispositivo “perfeito para a ansiedade, a concentração, o déficit de atenção, o autismo, a hiperatividade, o estresse ou até mesmo para perder maus hábitos”. Descrição que os especialistas que consultamos não consideram digna de crédito.

“Para poder considerar um produto como terapêutico é preciso de quatro a cinco anos de investigação prévia. Por ora, não há nenhum estudo ou informe que endosse as propriedades curativas que alguns atribuem aos spinners”, diz Álvaro Bilbao. Opinião também compartilhada pela psicóloga especializada em infância e adolescência Cristina García Van Nood: “Eu o vi pela primeira vez há um mês: agora muitos de meus pacientes têm, por isso me informei. Não há nenhum estudo científico que certifique sua eficácia como tratamento terapêutico. E pelo que tenho visto em consulta, é bem o contrário. As crianças não respondem enquanto estão brincando com eles e tenho de lhes pedir que o guardem quando estão em consulta. É totalmente contraproducente.”

Verdade: algumas escolas dos EUA o proíbem

A febre spinner començou há apena algumas semanas. Nos Estados Unidos, porém, começou no início do ano e já preocupa os educadores. São várias as escolas que proibiram seus alunos de entrar na sala de aula com esses aparelhinhos. Não é suficiente guardá-los no estojo e pegá-los durante o recreio. “As crianças na sala de aula não tiravam os olhos de seu spinner ou do spinner do colega, por isso decidimos que o melhor era proibi-los”, confessa Meredith Daly, professora de uma escola pública do Arizona.

A professora madrilenha Marta Lozano não vê inconveniente em que seus alunos brinquem com eles no recreio, desde que respeitem as normas dentro da sala de aula: “É um entretenimento inofensivo. Até eu brinco às vezes com os spinners de meus alunos no pátio. Acho que o realmente importante é pôr limites durante as horas da aula. Porque hoje são os spinners, mas amanhã será outro brinquedo novo que trouxerem, e precisam entender que não podem brincar enquanto explicamos a matéria”.

Verdade: pode ser comprado por apenas oito reais

Aparentemente, conseguir um spinner é uma tarefa bastante simples. Se quiser arranjar um pessoalmente, é provável que o encontre no bazar de chineses de seu bairro ou em uma das grandes lojas de departamentos a partir de oito reais. Se você se sente mais confortável com as compras online, na Amazon há mais de 2.000 modelos disponíveis. O mais popular é o estampado de camuflagem, que custa 27,5 reais. Na página do AliExpress também há uma grande variedade.

Fonte: El País