DENÚNCIA

Repórter falsifica carteirinha e é acusado de perseguir, assediar e ameaçar colegas da TV

Ao menos seis jornalistas mulheres que trabalham em emissoras de TV como Globo, Band e SBT relatam terem sido importunadas, nas redes sociais e pelo telefone, pelo repórter Bernardo Lima, de 30 anos, que se apresenta como dono de uma web rádio que faz cobertura esportiva em Minas Gerais. Os relatos vão desde ofensas e comentários inoportunos e recorrentes a ameaças de exposição com histórias falsas.

Ao menos seis jornalistas mulheres que trabalham em emissoras de TV como Globo, Band e SBT relatam terem sido importunadas, nas redes sociais e pelo telefone, pelo repórter Bernardo Lima, de 30 anos, que se apresenta como dono de uma web rádio que faz cobertura esportiva em Minas Gerais. Os relatos vão desde ofensas e comentários inoportunos e recorrentes a ameaças de exposição com histórias falsas.

Uma das jornalistas afirma ter tido a senha do Facebook descoberta por Bernardo, que teria ameaçado expor publicamente uma história inventada por ele. Outra profissional diz que o repórter chegou a comentar com uma conhecida dela que gostaria de matá-la.

Os relatos das mulheres, que optaram por não registrar boletins de ocorrência na polícia, mostram um padrão de comportamento: Bernardo primeiro entra em contato como um colega de profissão, mostra admiração pelo trabalho das jornalistas e insiste na comunicação com frequência até se tornar incômodo. Quando é ignorado ou bloqueado pelas jornalistas, passa a se comportar, segundo elas, como um “hater” e um perseguidor.

A maioria das jornalistas procuradas pela reportagem relatou as abordagens de Bernardo sob a condição de não terem seus nomes revelados. Uma jornalista mineira afirma que teve o primeiro contato com o homem por volta de 2010, quando ele criou um fã-clube em sua homenagem.

“De repente, passou a criar fakes para me importunar”, conta ela. Bernardo, então, abordou na internet a mulher de um colega da jornalista e disse a ela que os dois seriam amantes. A esposa não levou a história a sério. “Mas ela me ligou preocupada porque ele [Bernardo] falava que já tinha sido meu namorado e queria me matar.”

A profissional não fez denúncia formal, mas diz ter procurado a ajuda de amigos, que conversaram com Bernardo e o fizeram parar de importuná-la.

Procurado pelo UOL Esporte para comentar o teor dos relatos, Bernardo Lima não se pronunciou (veja abaixo).

Outros jornalistas que conhecem o repórter pessoalmente costumam ouvi-lo dizer que “odeia feministas”. Bernardo já trabalhou presencialmente em eventos de vôlei e de MMA, além de treinamentos de clubes de futebol locais. Em 2016, chegou a cobrir um treino da seleção brasileira de futebol em Belo Horizonte.

Em 2018, ele admitiu ter falsificado a carteirinha da Associação Mineira de Cronistas Esportivos (AMCE), de acordo com uma troca de emails à qual a reportagem teve acesso. Nas mensagens, Bernardo justificou a falsificação dizendo que precisava se defender de ataques de colegas de imprensa, sob a alegação de que estava “sendo vítima de difamação”.

Desde então, a AMCE vem recusando todas as tentativas de credenciamento feitas por Bernardo. A entidade afirma ter recebido diversas denúncias contra o comportamento do jornalista, mas diz nada poder fazer justamente por ele não ser filiado.

“Fotografar sua bunda e postar”

Há duas semanas, a jornalista Livia Laranjeira, da Globo, publicou no Twitter um comentário feito por Bernardo em uma foto sua. Na mensagem, o homem afirma que vai “fotografar sua bunda e postar”. “A ideia não é assédio e sim te pilhar, você cai nas pilhas”, escreveu Bernardo, usando a conta de um veículo de comunicação que ele afirmava possuir —a reportagem confirmou a existência formal de apenas uma, a “Web Radio Futebol BH” (detalhes abaixo).

Na postagem, a repórter da Globo afirmou que já denunciou Bernardo, “mas ninguém faz nada, e ele segue se apresentando como jornalista e se credenciando para coberturas esportivas.”

Outra jornalista da Globo, que conversou reservadamente com a reportagem, afirmou que já recebeu inúmeras mensagens de Bernardo, de vários celulares diferentes. “Eu bloqueava, e ele mandava por outro.”

“Ele me ameaçou falando que sabia que eu tinha um caso com outro repórter e que contaria pra todo mundo. Só que essa história era mentira. Ele inventou”, relata a jornalista. Depois, ela foi surpreendida quando Bernardo lhe enviou a senha dela do Facebook. Ela diz não saber como isso aconteceu.

“Ele me perturba desde 2014”, diz repórter da Band

A repórter Yara Fantoni, da Band, afirma que, apesar de nunca ter sido assediada ou ameaçada, recebe mensagens inoportunas de Bernardo desde 2014. Na ocasião, ela trabalhava em um programa esportivo da TV Horizonte, emissora da Rede Catedral, de Minas.

“Ele descobriu meu celular uma época. Pede emprego. Fala que quer ir aos programas em que trabalho. Fala pra eu não ignorar que ele é meu companheiro de profissão. Depois faz críticas às matérias que assistiu. Perturba mesmo”, conta Yara.

Jornalista se associa a entidade de classe contra críticas

Em agosto do ano passado, Bernardo se registrou como microempreendedor individual, com o nome fantasia “Web Radio Futebol BH”. Em um perfil publicado pelo site “Portal dos Jornalistas”, ele afirma ser proprietário da web rádio TV Esporte Minas (conta usada na comunicação com Lívia Laranjeira, acima) e ter trabalhado na Esporte BH.

No mesmo site, o jornalista diz ter publicado “furos importantes” (reportagens exclusivas) sobre a contratação de jogadores, como Leandro Damião e Joel, pelo Cruzeiro, e Lucas Pratto, Allan e Guilherme Arana, pelo Atlético-MG, o que não é reconhecido pelos repórteres que cobrem esses clubes.

Constantemente questionado sobre sua atuação profissional, Bernardo se filiou à Associação Brasileira de Jornalistas (ABJ), que se anuncia como a “única entidade nacional de jornalistas que aceita associados com ou sem diploma”. A ABJ foi criada em 2009, ano em que o Supremo Tribunal Federal decidiu que não seria obrigatória formação específica para o exercício da profissão.

Para se filiar à ABJ, é preciso apenas enviar dados pessoais e pagar uma anuidade no valor de R$ 399,00. Bernardo costuma mostrar seu certificado de filiação à ABJ quando é questionado sobre sua formação.

Repórter não se pronuncia

O jornalista Bernardo Lima foi procurado pelo UOL Esporte por telefone na última terça-feira (9), mas afirmou que não se pronunciaria sobre o teor desta reportagem. Em seguida, desligou o telefone. Procurado pelo WhatsApp, Bernardo insistiu que não comentaria.

Projeto de lei tenta tornar “stalking” crime no Brasil

O comportamento de “stalking”, ou perseguição, é considerado crime em países como Estados Unidos, Reino Unido e Portugal, mas não no Brasil. No país, a Lei de Contravenções Penais (1941) prevê como contravenção a “importunação à tranquilidade”, descrita como “molestar alguém ou perturbar-lhe por acinte ou por motivo reprovável”.

Desde 2019, ao menos 11 projetos de lei tentam tipificar a conduta de perseguidores, que usam redes sociais e outros meios para intimidar e assediar suas vítimas, em geral mulheres. Um deles, de autoria da senadora Leila Barros (PSB-DF), cria o crime de “perseguição obsessiva”, descrita como:

“Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.”

O projeto de lei está em discussão no Congresso, aguardando análise do Senado.

 

Fonte: UOL
Créditos: Polêmica Paraíba