Número positivo

Pela primeira vez desde 2014, cai o número de miseráveis no Brasil

Apesar do lento ritmo de recuperação da atividade econômica e do emprego, a pobreza deve ter uma pequena redução neste ano, a primeira desde 2014, com a contribuição do ciclo eleitoral. O próximo presidente assumirá um país com 22,83 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza – contingente 470 mil menor que o registrado no fim do ano passado e equivalente a 10,95% da população do país.

De acordo com estudo da FGV Social, a partir da base de dados do IBGE, a pobreza passou a crescer a partir de 2015, quando a crise abateu o emprego e a renda. Do início daquele ano até 2017, a crise produziu 6,27 milhões de novos pobres. Com isso, o Brasil tinha 23,3 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza no fim de 2017, 11,2% da população.

O economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social e um dos maiores especialistas no tema, calcula que esse ciclo de aumento da pobreza deve ser interrompido neste ano. Para chegar à conclusão, ele considera uma bateria de indicadores: renda do trabalho, programas de transferência de renda (como o Bolsa Família), desigualdade social e o avanço do PIB per capita.

Além desses indicadores, Neri analisou mecanismos que conectaram as eleições com políticas de renda no período de 1992 a 2006. Ele identificou que o rendimento sempre cresce mais em anos eleitorais. Em média, a renda oriunda de programas de assistência social cresce 22,57% nos anos de eleição, mais do que o avanço da renda com benefícios de Previdência Social (10,51%) e com o trabalho (3,16%).

“Vimos que o efeito é maior sobre o benefício de programas sociais, cuja renda não só cresce em ano de eleição, como principalmente para a população que pode votar, de 16 anos ou mais. O mesmo ocorre com a renda da Previdência. Respondendo: é um ciclo político oportunista”, disse Neri, que foi ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos e presidente do Ipea na gestão Dilma Rousseff.

As estatísticas sobre queda da pobreza nos anos eleitorais chamam atenção. A pobreza cai em todos os anos de eleições presidenciais desde a redemocratização. A queda média é de 12,82%. O recuo foi especialmente forte em 1986, ano de disputa para governador e Congresso e do Plano Cruzado, que congelou preços e gerou um forte ganho real de poder aquisitivo. “Mesmo sem 1986, a pobreza cai em média 8,34% em ano eleitoral”, diz Neri.

Se os políticos sempre usaram programas de transferência de renda alinhados com o calendário eleitoral do país, não foi diferente deste vez. Em junho, o governo anunciou reajuste de 5,67% (acima da inflação) no valor do benefício do Bolsa Família: de R$ 177,71 para R$ 187,79. O programa tem 13,7 milhões de famílias beneficiárias.

Pelos cálculos da FGV Social, a pobreza será reduzida em 2% neste ano, na comparação a 2017. Mesmo com a ligeira melhora, 10,95% da população estará abaixo da linha de pobreza, patamar superior ao da eleição de 2014, quando estava em seu melhor momento, de 8,34%.

Segundo Neri, o desafio do próximo presidente será interromper um outro padrão de comportamento identificado no levantamento da FGV Social: o aumento da pobreza nos anos pós-eleitorais. “A pobreza cresce no ano seguinte na maioria. O aumento da pobreza pós-eleitoral foi em média de 14,92%.”

Os programas de candidatos à Presidência em geral reconhecem o óbvio: a pobreza e a desigualdade são grandes desafio a ser enfrentado, após a rápida piora dos indicadores ao longo dos últimos anos. O enfrentamento dessas questões, porém, é tratado de forma mais ou menos objetiva, de acordo com o candidato.

Líder as pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL) sugere em seu programa o liberalismo como saída: “Graças ao liberalismo, bilhões de pessoas estão sendo salvas da miséria em todo o mundo”. Também sugere a necessidade de afastar o “populismo e garantir que o descontrole das contas públicas nunca seja ameaça ao bem-estar da população”.

No programa de governo de Marina Silva (Rede) está a promessa de atuação proativa na “conexão entre as pessoas em situação de pobreza e as oportunidades para superação de suas dificuldades, garantindo atenção integral, integrada e personalizada a cada família”.

Já o de Ciro Gomes (PDT) promete ampliar a rede de proteção social aos mais desfavorecidos, como Bolsa Família e o Benefício da Prestação Continuada (ajuda a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência).

Geraldo Alckmin (PSDB) não cita em seu programa termos como pobreza e miséria, mas aponta que, sem crescimento, o país não vai conseguir resolver problemas econômicos e sociais nem combater as desigualdades.

A FGV Social considerou como linha de corte da pobreza uma renda habitual de R$ 233 por mês por pessoa. Não existe um critério oficial para a pobreza monetária. O Bolsa Família, por exemplo, define como situação de pobreza o valor de R$ 178. Já o Banco Mundial adota a linha de US$ 5,50 por dia para países de médio desenvolvimento, como o Brasil – algo próximo de R$ 390 mensais.

Existem ainda outros critérios de pobreza, como a chamada pobreza extrema, que capta uma parcela mais miserável da população. O Banco Mundial, por exemplo, considera o valor de US$ 1,90 por dia para medir o tamanho dessa população, o equivale a R$ 134 por mês a preço de 2016.

Apesar da queda projetada da pobreza neste ano, a FGV Social prevê que a desigualdade da renda ficará maior neste ano. O índice de Gini – que varia de zero a um, sendo zero a mais perfeita igualdade de renda – estava em 0,5915 no segundo trimestre, após 11 trimestre consecutivos de crescimento. O indicador era de 0,5636 no quarto trimestre de 2014.

O movimento de crescimento da desigualdade não seria incompatível com o movimento da pobreza. O aumento da desigualdade ocorre quando a renda da parcela mais pobre da população se distancia da parcela mais rica. Isso pode acontecer sem que os mais pobres fiquem mais pobres, mas simplesmente pelo avanço do topo da renda do topo da pirâmide social do país.

Fonte: Valor Econômico
Créditos: Valor Econômico