Carnaval 2018

#ÍndioNãoÉFantasia: quem é a indígena que iniciou debate sobre uso de fantasias

Katú Mirim, de 31 anos, publicou vídeo em que diz que uso de símbolos indígenas no carnaval é racismo, e não homenagem: 'Eu peço que olhem para os povos indígenas, nos respeitem', afirma em entrevista ao G1.

Penas, pinturas corporais e cocares que remetem a povos indígenas devem ser usados como fantasias de carnaval? A ativista Katú Mirim, de 31 anos, afirma que isso é racismo e lançou a campanha #ÍndioNãoÉFantasia para questionar a representação estereotipada de culturas.

“Isso é racismo, não é homenagem”, dispara Katú no vídeo publicado no sábado (3) e que até a tarde desta sexta-feira (9) contava com mais de 258 mil visualizações no Facebook

No vídeo, ao lado da hashtag #ÍndioNãoÉFantasia, a indígena critica a aparição de celebridades ornamentadas com símbolos indígenas em baile de carnaval promovido pela revista de moda Vogue Brasil. Desde então, Katú vem recebendo muitas mensagens de apoio, mas também muitas críticas e ataques.

A ativista apagou sua página no Facebook perto das 16h desta sexta-feira, após dizer que sofreu ameaças no seu perfil.

Em entrevista ao G1, ela afirma que o objetivo da campanha foi chamar a atenção para o respeito à causa indígena e denunciar a representação de pessoas ou culturas como fantasias.

“Eu não vim dizer o que as pessoas podem e não podem fazer, vim pedir para elas refletirem sobre nossa existência. Eu tenho muitos vídeos didáticos, eu canto, mas nunca me escutaram. No momento que eu faço um vídeo curto pedindo respeito, eles me massacram. Eu peço que olhem para os povos indígenas, nos respeitem, lutem conosco”, afirma.

'Eu peço que olhem para os povos indigenas, nos respeitem, lutem conosco', afirma Katú Mirim (Foto: Reprodução/Facebook)'Eu peço que olhem para os povos indigenas, nos respeitem, lutem conosco', afirma Katú Mirim (Foto: Reprodução/Facebook)

‘Eu peço que olhem para os povos indigenas, nos respeitem, lutem conosco’, afirma Katú Mirim (Foto: Reprodução/Facebook)

“Se as pessoas não entendem que dizer que ‘índio só pode viver no meio do mato, sem usar coisa do branco’ é um estereótipo, fica complicado para elas perceberem que as representações das fantasias de ‘índio’ são somente a perpetuação desse pensamento”, diz. E complementa:

“Acham que é homenagem, porque é ‘exótico’, ‘algo natural do Brasil’, que faz parte da cultura brasileira… mas se você pergunta a qual povo aquela pessoa está homenageando ao se fantasiar, ela não saberá responder, até porque dificilmente as pessoas conhecem nossa pluralidade étnica”

Busca pelas origens

Katú se reconheceu indígena após adulta, ao entrar em uma jornada de resgate a suas origens. Ela foi adotada como Kátia Rodrigues aos 11 meses de idade por um casal de brancos no interior de SP, depois de ser abandonada pela mãe. Neste período, já entendia que era vista como diferente pelos demais, mas a descoberta de suas origens veio somente na adolescência, quando teve contato com seus pais biológicos.

“A primeira pessoa que me leu como indígena foi meu pai adotivo, depois fui lida como ‘índia’ na escola, colocavam o cocar na minha cabeça, diziam que eu era selvagem feito os índios. As pessoas me liam como indígena por causa do fenótipo, fenótipo esse que eu não acho que eu tenha”, diz.

Ela conta que, por muito tempo, negou seus traços biológicos: usou cabelo descolorido, lentes azuis e não tomava sol para ficar o mais “branca” possível.

“Sempre escutei coisas ruins e como filha adotada eu quis negar essa minha identidade. Parei de pegar sol para ficar mais branca, usava lentes de contato azul, pintei o cabelo de loiro. Eu não queria ser lida como “índia” queria ser branca, porque eu passava desapercebida e me parecia mais com a família que me adotou”

A afirmação como indígena, segundo ela, veio após ter sido sequestrada e estuprada em 2013, aos 27 anos. Ela diz que ainda recebe ameaças e prefere não dizer em qual cidade mora. Ela conta ganhou seu nome Katú Mirim após cerimônia em janeiro de 2018 na aldeia Guarani Mbya, no Jaraguá, em São Paulo.

“Está sendo uma jornada difícil, porque no Brasil você pode ser tudo, menos indígena”

“As pessoas pensam que ‘índio’ não é uma pessoa em si, mas uma espécie de categoria social, de algo do passado, que vive no meio do mato. Tanto que as pessoas acham que indígena usando celular já não é mais ‘índio’, só porque usufruirmos de elementos culturais de outros povos não-indígenas. Isso é um erro, pois além de nos prender no século XVI, ignora todo o histórico de catequizações e os processos de integração social e assimilação cultural, que foram políticas de Estado”, acrescenta.

Visibilidade indígena

Katú procura se engajar em dar voz e visibilidade aos povos indígenas contando a sua rotina e sua história em um canal no YouTube. Ela afirma que a luta sobre a demarcação de terras e preservação do meio-ambiente é importante, porém não é a única.

A ativista chama a atenção para questões como saúde indígena, suicídio, etnocídio, violência às mulheres indígenas e também sobre o acesso à universidade.

“Atualmente, há 15 universidades que adotam o vestibular indígena, a última a aprovar foi a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e nesse ritmo, estamos puxando a luta também na Universidade de São Paulo (USP)”, diz.

Fonte: G1
Créditos: G1