Fernando Henrique Cardoso diz : "Impeachment é como bomba atômica"

Para ex-presidente, governo deve passar os próximos anos "cozinhando em fogo brando"

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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, principal líder do PSDB e, portanto, da oposição, já tem uma posição clara diante da crise: nem apoio ao impeachment nem pacto com o PT.
Nesta segunda-feira, FHC disse que o horizonte mais provável é de que o governo “fique cozinhando o galo em fogo brando” nos próximos quatro anos. Mas ressalvou que, em política, “nada é impossível”. E criticou Lula:
— Ele quer é acusar. Ele é o bom, nós somos os maus. Então, não há como dialogar com quem não quer dialogar.
— Como todo brasileiro, (vejo a situação) com muita preocupação. Sem esperança, não vendo uma saída. É um momento bastante sombrio — diz o ex-presidente sobre a situação atual do país.
FHC pondera sobre o impeachment:
— Impeachment não é uma coisa desejável e ninguém se propõe a liderar isso. O PT usa o impeachment para dizer que o PSDB quer, mas não é verdade. Impeachment é como bomba atômica, é para dissuadir, não para usar. Eu não posso dizer que seja impossível, porque as coisas não são assim em política. Mas o horizonte mais provável não é que vá para esse lado.
Sobre o panelaço de domingo e a manifestação de 15 de março, Fernando Henrique acredita que o movimento será de grandes proporções.
— Essa manifestação vai ser realmente grande, mas é produto das redes sociais, de vários setores da sociedade, independentes uns dos outros, por motivos diferentes. E totalmente independente dos partidos.
Comparando os protestos atuais com as manifestações que tomaram as ruas em junho de 2013, o ex-presidente afirma que, “sociologicamente, vai ser uma comparação interessante”:
— Em 2013, era contra tudo, agora é direcionada contra o governo. Mas vamos esperar para ver. O PSDB faz bem em não chamar para a rua. A rua, neste momento, não é dos partidos, é do povo. É o povo que vai para a rua.
É preciso “despartidarizar” a Petrobras
Para FHC, o peso da Petrobras na crise é muito grande.
— A Petrobras é uma empresa vital para o Brasil. A despeito das intrigas do PT, sobretudo do Lula, de que queríamos privatizar a Petrobras, isso tudo era uma grande mentira. Não cabe privatizar a Petrobras. Cabe, sim, despolitizá-la, despartidarizar a Petrobras.
E emenda sobre a venda de R$ 39 bilhões em ativos:
— Vai vender na bacia das almas, no pior momento. Isso, sim, é contra o interesse da Petrobras e do Brasil. No limite, a crise real é política, é de confiança. Sem confiança, não se cria esperança. Sem esperança, a recessão é só recessão, o ajuste é só o ajuste, só um mal estar. A quebra de confiança foi grande. Não se refaz do dia para a noite.

Governo precisa reconhecer erros
— O governo criou caso com a própria base, então fica difícil. A presidência do Senado devolveu a medida provisória das desonerações. Foi um ato de rebeldia e força. É um sinal de que o processo congressual está descontrolado, e não vejo como este governo tenha como reagir à altura. É muito ruim que o governo não reconheça nenhum erro — pondera o ex-presidente.
Lava-Jato pode ajudar o Planalto
Questionado sobre se o envolvimento de 47 políticos na Lava-Jato poderia ajudar o Planalto, FHC acredita que sim.
— De certo ponto, sim. Mas acho que o importante para o Planalto é dar eficiência ao Congresso, para conseguir as votações do ajuste. Isso não dá eficiência ao Congresso, muito pelo contrário. Dá é paralisia. Eu só vi uma situação parecida, em 1963, quando houve um descolamento entre o Congresso e o governo, e o governo foi perdendo a capacidade de governar. Quando o Congresso percebe que o Executivo não tem agenda, está tonto, fazendo uma agenda que não é a dele, o Congresso fica mais inerte. E se você perde a força aqui, você perde a força no mundo — diz FHC.
Governo de Dilma é diferente do de Collor
Fernando Henrique descarta fazer uma conexão do governo Dilma com o de Collor.
— Não creio. A conexão com o Collor é que ele não sabia como manejar com o Congresso, não tinha amor pelo Congresso, ficava isolado. Nesse sentido, há alguma similitude, mas só nisso. Na época, a sociedade sancionou o impeachment, Collor não reagiu e os partidos tinham condição de operar a transição. Não vejo a mesma coisa hoje.
Crise pode jogar PMDB para oposição
Perguntado sobre se a crise jogaria o PMDB para o PSDB, o ex-presidente discorda.
— Não para o PSDB, mas para a oposição. O PMDB já está na oposição e com razão. Que ministérios eles têm? Qual o peso deles? Não tem. O PMDB não participa da negociação política, das decisões do governo — analisa.
Sobre a frase do senador Aloysio Nunes se referindo aos próximos quatro de governo anos como “deterioração controlada”, FHC acredita que seu partido está “digerindo” a crise e tentando entender até onde ela vai.
— O que ele quis dizer é que não haverá uma ruptura, as coisas vão ficando mais desengonçadas, mas se mantêm.
Eduardo Cunha e Renan Calheiros
— Bem, até que esses dois atuam e, no próprio PSDB, raramente nós tivemos uma bancada de senadores tão poderosa. Só não sei no que vai dar tudo isso da Lava Jato. E tem uma coisa: a circunstância é que faz as lideranças. O desafio é tão grande que vai empurrar as lideranças, senão para controlar a onda, porque às vezes é impossível, pelo menos surfar nela — afirma Fernando Henrique sobre os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB), envolvidas na Operação Lava-Jato.
Anastasia foi incluído para “enfraquecer” PSDB
Sobre Antonio Anastasia, alvo de inquérito criminal no Supremo sob suspeita de ter recebido dinheiro desviado da Petrobras, FHC acredita que o nome do senador foi colocado na lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para enfraquecer o PSDB.
— Ele foi posto lá para isso.
Questionado sobre quem teria inserido o nome, FHC é enfático:
— Ora, quem? O responsável final é o procurador. A acusação é vaga, parece história da carochinha. Se encontrarem, vale aquilo: errou, pagou. Mas acho que não vai chegar a isso.
Não há diálogo com Lula
— Qual seria o significado de um encontro meu com o presidente Lula? — questiona Fernando Henrique.
— Ele tem que, primeiro, pacificar lá a situação do partido dele. E qual é a pauta? Nunca me neguei a discutir uma pauta. Agora, essa discussão não pode ser um conchavo, tem de ser uma discussão sobre como melhorar a situação política, econômica e social. Quais são os itens? Dá para convergir? Não dá? Mas a visão do presidente Lula não é essa, ele quer o contrário, quer acusar. Ele quer dizer quem são os bons, quem são os maus. Ele é o bom, nós somos os maus. Então, é quase impossível. Não há como dialogar com quem não quer dialogar — avalia.
A convocação de Lula ao “exército do Stédile” é uma retórica preocupante, acredita FHC.
— Quem foi presidente da República não tem o direito de brincar com questões sérias. Convocar para a briga e menosprezar inclusive o Exército, porque citou um outro exército, é indesculpável. Todo mundo está vendo o que está acontecendo aqui. Um descalabro.
“Foi o FHC” é patético, diz
Questionado sobre o “Foi o FHC”, o ex-presidente se diz envaidecido:
— Foi o FHC! É patético, mas eu fico até envaidecido, porque, depois de mais de 12 anos, eu até fico pensando: ‘Meu Deus, que força que eu tive!’
*Estadão Conteúdo