Epidemia de mortes de motocicletas

Em 10 anos número de pessoas com invalidez permanente por acidentes de moto chega a 2,5 milhões

Com seus 2,6 milhões de habitantes a cidade de Fortaleza é uma cidade de relevância nacional e com forte dinamismo econômico. Mas nem a população da quinta maior cidade brasileira supera outro número superlativo: os mais de 2,7 milhões de brasileiros que nos últimos dez anos ficaram com invalidez permanentes ou morreram ao se envolveram em acidentes de motocicletas.

Se forem observados todos os que se acidentaram com motos, incluindo os casos menos graves, o total chega a quase 3,3 milhões —uma população que, quando comparada às de cidades brasileiras, só não supera as de Rio de Janeiro e São Paulo.

Em dez anos, o contingente de acidentados por motos e ciclomotores (veículos de até 50 cilindradas) cresceu 72%, enquanto os acidentados com outros meios de transporte aumentaram 28%, em média. No período, o número daqueles que sofreram com algum tipo de invalidez permanente após um acidente com moto cresceu 142% no mesmo período.

Os dados foram compilados pela seguradora Líder, responsável pela administração do seguro Dpvat (seguro para danos causados por veículos) e vão ao encontro de estudos anteriores que já apontavam para a epidemia de mortes de motocicletas no país.

De todas as indenizações pagas pelo seguro Dpvat, 72% estão relacionadas a um acidente com moto ou ciclomotor. Nos números analisados pela seguradora, estão somados pedidos de indenizações por morte, invalidez e despesas médicas oferecidas tanto motociclistas quanto seus passageiros e pessoas atingidas por motos em acidentes de trânsito.

Os condutores representam 68% dos que sofreram acidentes. Em segundo lugar estão os pedestres, envolvidos em 21% das ocorrências. O restante são passageiros dos veículos.

Entre os acidentados, 78% são homens, e 52% têm entre 18 e 34 anos. Economistas apontam que mortes nessa faixa da população afetam diretamente na capacidade produtiva do país.

Para Maria Valins, superintendente da seguradora Líder, há forte correlação entre o crescimento da frota de motocicletas na última década e o aumento de acidentes graves gerados por esse tipo de veículo.

De 2009 a 2018, o crescimento da frota de motocicletas e ciclomotores foi de 82%, acima do aumento de 69% da frota geral. “Não estamos vendo ações de políticas públicas eficazes para minimizar esses riscos. A gente não vê progresso, ao contrário, vê o aumento das indenizações”, comenta Valins.

Estima-se que os acidentes de trânsito no país tenham drenado R$ 23 bilhões ao ano (em valores corrigidos pela inflação). O cálculo é de uma pesquisa de 2001, em que o Ipea estimou os custos dos acidentes nas grandes cidades brasileiras. Em 2015, a Ambev e a consultoria Falconi verificaram o impacto desses custos para todo o Brasil.

Grande parte desse valor é destinado ao pagamento de procedimentos hospitalares. Além disso, há a perda de produtividade do acidentado.

Quem vivencia essa pressão exercida pelos acidentes de motos sobre o serviço de saúde é o diretor Clínico do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, Jorge dos Santos Silva.

Ele aponta ainda que, de janeiro a junho deste ano, das internações por acidentes de trânsito no SUS em todo o país, aproximadamente 60% eram de motociclista (em 2018, eram 57,3%).

“Isso sobrecarrega o serviço de emergência, as enfermarias. Muitos desses leitos poderiam estar ocupados por pacientes que têm outros problemas que precisam ser tratados. É o doente que tem que fazer uma cirurgia por causa da artrose, por exemplo. Esse paciente terá sua espera por uma cirurgia alongada.”

Nesta terça-feira (27), um dos leitos estava ocupado pelo empresário Fernando Silva Júnior, 54, que está há mais de duas semanas internado para tratar uma fratura na perna após colidir com um carro na marginal Tietê. Seu quadro era menos grave, mas nem sempre é assim.

De 2005 a 2014, o IOT registrou o aumento de 700% nas lesões do plexo braquial, um conjunto de nervos entre o tronco e braço. É um quadro extremamente complexo e com alto grau de sequelas, caracterizado pela perda de movimentos e sensibilidade do membro superior. Segundo o levantamento, 95% dos pacientes com esse quadro tinham se envolvido em acidentes de motos.

Especialistas afirmam que a redução das mortes e de acidentados no trânsito brasileiro passa pela reforma da formação do condutor, pelo incremento da eficiência da fiscalização e por medidas de engenharia que confiram maior segurança às vias onde os brasileiros trafegam, o que inclui, por exemplo, a redução de velocidades em áreas urbanas.

Na esfera federal, o governo Jair Bolsonaro (PSL) tem tomado medidas que foram criticadas por quem estuda a segurança viária no pais.

Entre elas, estão a proposta de aumento do limite de pontos na CNH, a caça aos radares de velocidade em estradas federais, a queda da obrigatoriedade do uso de cadeirinhas para crianças, a diminuição do número de aulas práticas para habilitação do condutor e a suspensão da necessidade de aulas para obter a autorização para conduzir ciclomotores.

Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Polêmica Paraíba