Segurança Financeira

Bancos defendem que o governo restrinja uso de dinheiro em espécie

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) defende um controle maior da circulação de dinheiro em espécie como forma de prevenção à lavagem de dinheiro.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) defende um controle maior da circulação de dinheiro em espécie como forma de prevenção à lavagem de dinheiro. A restrição do uso de moeda física deveria ser “prioridade do país”, disse nesta terça o presidente da entidade, Murilo Portugal, em congresso da Febraban sobre prevenção à lavagem de dinheiro. “A apreensão de grandes quantidades de dinheiro em espécie em operações das autoridades identificou que esse numerário teve sua origem fora do sistema bancário, em outros setores onde há grande uso de moeda.”

De acordo com levantamento do Banco Central, 96% dos brasileiros ainda fazem pagamentos ou compras com dinheiro em espécie. O estudo também detectou que metade do volume de transações no comércio e 29% dos salários são pagos com numerário.

Não há, no Brasil, limite a uso, transporte ou posse de dinheiro em espécie, embora haja discussões nesse sentido. Diversos países, como França, Espanha e Itália, estabeleceram tetos para o uso de numerário, numa tentativa de coibir a lavagem de dinheiro e, principalmente, o financiamento do terrorismo. Fontes de instituições financeiras afirmam que, hoje, a corrupção é a maior causa de lavagem de dinheiro no país — mais que o tráfico de drogas.

Rodou o país, no ano passado, a imagem de R$ 51 milhões em espécie encontrados num apartamento ligado ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB-BA). Antonio Rénede, auditor-fiscal da Receita Federal, disse ser comum a declaração de dinheiro em espécie por pessoas físicas para tentar disfarçar variações patrimoniais sem comprovação.

Nos últimos anos, o BC adotou medidas para inibir o uso de dinheiro físico em grandes quantidades. Entre elas, reduziu de R$ 100 mil para R$ 50 mil o valor mínimo de transações em espécie que precisam ser notificadas automaticamente pelos bancos ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão ligado ao Ministério da Justiça. O provisionamento dessas operações também passou a ter de ser feito com três dias de antecedência, em vez de apenas um. O regulador limitou ainda o pagamento, com numerário, de boletos com valor superior a R$ 10 mil.

Segundo o chefe-adjunto do Departamento de Supervisão de Conduta do BC, Francisco da Silveira, o regulador também está atento a transações como saques em espécie feitos por órgãos públicos e depósitos múltiplos feitos em caixas eletrônicos. Silveira destacou, no entanto, que o BC tem levado em conta as queixas de pequenos comerciantes de que o custo das transações eletrônicas é alto. “Se fosse menor, a adesão seria maior e, no fim, o custo seria mais baixo para o sistema todo”, afirmou.

O BC tem estudado medidas para incentivar o uso de meios de pagamentos eletrônicos. Em outubro, passou a vigorar um limite para as tarifas de intercâmbio nas transações com cartões de débito. O regulador estuda se fará o mesmo no caso dos cartões de crédito — a expectativa no setor é que isso não deve acontecer.

Para José Eduardo Bergo, diretor de segurança institucional do Banco do Brasil (BB), a restrição da circulação de dinheiro em espécie ainda é a principal forma de prevenção à lavagem de dinheiro. “O sistema financeiro tem mecanismos para rastrear e controlar o numerário, por isso os lavadores de dinheiro costumam passar por fora dele”, afirmou.

Além das operações em espécie com valor acima de R$ 50 mil, os bancos também são obrigados a notificar ao Coaf transações suspeitas (fora do padrão de movimentação e renda do cliente, por exemplo). Segundo o presidente da Febraban, as instituições financeiras reportaram 63,2 mil transações desse tipo no ano passado, das quais 16% resultaram em investigação.

Embora considerem o sistema financeiro mais seguro que o uso do dinheiro em espécie, os bancos reconhecem que as novas tecnologias impõem desafios dentro de casa. Entre eles, estão a abertura de contas digitais, sem a presença física do cliente na agência, e os negócios envolvendo criptomoedas.

“Em alguns casos, para os bancos, manter conta de uma corretora de criptomoedas é um problema”, disse Bergo. “É difícil comprovar de onde vem e para que vai ser usado aquele dinheiro, e se a movimentação é atípica.”

No mês passado, um juiz determinou, em decisão liminar, que o Bradesco reabrisse a conta da corretora Braziliex, que o banco havia fechado. O encerramento de contas de corretoras de criptomoedas está em discussão no Superior Tribunal de Justiça.

O BC planeja colocar em consulta pública nos próximos dois meses uma atualização da norma sobre prevenção à lavagem de dinheiro, afirmou Mardilson Queiroz, consultor do Departamento de Normas da autarquia. A ideia é contemplar novas tecnologias e visões mais atuais do tratamento dessas questões.

Segundo ele, a regra deixará mais clara a exigência de que as instituições financeiras façam avaliações internas de risco. Os bancos terão de fazer verificações periódicas de suas políticas de controle de risco e da governança, disse.

Queiroz afirmou ainda que a nova norma dará mais ênfase à abordagem de risco, mais em linha com o que se pratica em outros países. De acordo com o consultor do BC, a regulamentação vigente no país contempla leis de 1998 a 2009.

“O momento é oportuno”, disse Queiroz, citando novas recomendações internacionais e transformações nos modelos de negócios e produtos financeiros.

“Não nos cabe coibir a inovação. Cabe a nós incentivar a inovação e tentar extrair o melhor uso dela pela sociedade”, afirmou, em apresentação no congresso da Febraban sobre prevenção à lavagem de dinheiro.

De acordo com ele, a regulação tem de se preparar para um mundo em que o relacionamento entre instituição financeira e clientes será remoto e o fluxo de recursos, cada vez mais rápido. No universo digital, é preciso identificar quem é o cliente, com quem e como ele se relaciona.

Fonte: Valor Econômico
Créditos: Talita Moreira