Assassinatos

18% A MAIS: aumento de vítimas por intervenção policial em um ano impressiona 

Mais de 5,5 mil assassinatos não estão nas estatísticas oficiais de mortes violentas do Brasil em 2018. São pessoas mortas pela polícia em 18 estados do país que contabilizam as vítimas decorrentes de ações policiais de forma separada.

Quando essas pessoas são contabilizadas, o total de mortes violentas no Brasil em 2018 passa de 51,6 mil para 57,1 mil — e a queda de assassinatos em relação ao ano anterior fica menor, passando de 13% para 10%. O país teve, ao todo, 63,7 mil mortes violentas em 2017. Destas, 4.594 cometidas pela polícia nos 18 estados que separam o dado – número menor que o de 2018.

Levantamento publicado pelo G1 em fevereiro aponta que a redução no número de assassinatos em 2018 é a maior dos últimos 11 anos da série histórica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A queda continua sendo a maior mesmo se forem consideradas as mortes em intervenção policial nos 18 estados que contabilizam estes casos separadamente. Mas o aumento de vítimas da polícia em um ano impressiona: 18% a mais.

Em 9 estados, as mortes cometidas por policiais já são consideradas nas estatísticas de homicídio — e, por isso, já estão incluídas no balanço de assassinatos publicado pelo G1 em fevereiro. O número de casos nestes estados, porém, é bem mais baixo que nos outros 18: são 632 mortes, contra as 5.528 desconsideradas na estatística oficial de mortes violentas.

Os dados revelam que:

Como houve uma alta no número de vítimas pela polícia, esse dado fez a redução de mortes violentas ser menor: 10%, e não 13%.

O Pará, agora, registra uma alta no número de mortes comparando 2017 com 2018: 3,6%.

No Rio de Janeiro, a queda de 8,2% no número de mortes sem contar as vítimas da polícia vai a 0,8% com os novos dados.

Só 2 estados (Maranhão e Rondônia) ficam com uma queda ainda maior quando são incluídos os casos de intervenção policial.

Para Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, “quando as autoridades passam a tolerar que terceiros passem a matar em nome de uma suposta eficiência no combate ao crime, o que ocorre é que esses grupos passam a matar para defender seus próprios interesses financeiros”.

“A situação se repete desde o surgimento dos primeiros esquadrões da morte, no Rio de Janeiro e em São Paulo, quando seus integrantes logo se bandearam para atividades criminosas de extorsão e ingressaram no mercado do crime”, diz.

“A redução da violência policial faz parte de uma estratégia de repensar a atividade policial para melhorar sua capacidade de prevenção e controle do crime. É importante mudar no Brasil o senso comum de que uma polícia violenta ajuda no combate ao crime. Violência policial contribui para produzir mais crime e desordem. Não pode nunca ser vista com solução para a segurança”, afirma Bruno Paes Manso.

Divulgação de dados criminais

Jornalistas do G1 espalhados pelo país solicitaram durante todo o ano de 2018 os dados das mortes violentas de cada estado.

O levantamento é resultado de uma ferramenta criada pelo G1 que permite o acompanhamento dos dados de vítimas de crimes violentos mês a mês no país dentro do Monitor da Violência, parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e com o Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Estão contabilizadas as vítimas dos seguintes crimes: homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. Juntos, estes casos compõem os chamados crimes violentos letais e intencionais.

Os dados coletados mês a mês não incluem as mortes em decorrência de intervenção policial, pois há uma dificuldade maior em obter esses dados em tempo real e de forma sistemática com os governos estaduais. Por isso, o número de pessoas mortas em confronto policial foi solicitado aos estados apenas neste ano, no mês de março.

A partir do cruzamento dos dois levantamentos e de informações das secretarias de Segurança dos estados, o G1 chegou às mais de 5,5 mil mortes cometidas por policiais que não são contabilizadas nos homicídios.

Não há no país uma padronização de como os dados criminais devem ser contabilizados e divulgados para a população. Por isso, há estados que contabilizam ou não as mortes em decorrência de violência policial nos homicídios.

Em março deste ano, o Ministério da Justiça e Segurança Pública lançou um sistema nacional de dados sobre criminalidade no país, o Sinesp, mas a atualização e disponibilização das informações é defasada. Os dados mais atualizados atualmente, por exemplo, são de dezembro de 2018, sendo que o G1 já publicou um balanço dos dados criminais dos dois primeiros meses de 2019.

Rio de Janeiro: recorde de letalidade

O número recorde de vítimas em confronto com a polícia em 2018 no Rio de Janeiro fez com que a queda de 8,2% no total de mortes violentas caísse para 0,8% quando somados esses dados.

A Secretaria de Polícia Militar do Rio de Janeiro diz que “as operações da corporação são pautadas por planejamento prévio e executadas dentro da lei. Nas ações em áreas conflagradas, a missão da Polícia Militar é primordialmente a prisão de criminosos e apreensão de arma e drogas”. “Muitas vezes, no entanto, os criminosos fazem a opção pelo enfrentamento, dando início ao confronto. Quando a operação policial resulta em mortes ou feridos, um Inquérito Policial Militar é aberto para apurar as circunstâncias do fato.”

Marcas de tiros em casa no Rio de Janeiro — Foto: Thathiana Gurgel/Defensoria Pública

Para Paes Manso, do NEV-USP, trata-se do oposto. “Uma polícia que mata muito costuma estar associada à baixa capacidade técnica de seus comandos e de seus subordinados. Essas mortes, boa parte das vezes, são resultado de ações sem planejamento ou estratégia. Isso na melhor das hipóteses.”

“Na pior [das hipóteses], os homicídios praticados por agentes fardados acabam dando ao grupo poder para prosperar em atividades criminais rentáveis, como costuma ocorrer em diferentes países onde grupos paramilitares receberam das autoridades licença informal para matar”, diz Bruno Paes Manso.

Segundo ele, algumas das polícias mais violentas do mundo pertencem a países com taxas de homicídios elevadas, o que indica uma forte relação entre violência e desordem. “É o caso de El Salvador e da Venezuela, que disputam a liderança no ranking dos países mais violentos do mundo e das polícias mais letais. Outros exemplos são Jamaica, África do Sul e Brasil.”

“Junto com a violência, esses grupos fardados passam a concorrer com outras gangues no mercado criminal e chegam a criar organizações paramilitares que se tornam uma enorme dor de cabeça para as instituições. Casos como a da Operación Liberacion del Pueblo (OLP), na Venezuela, e dos grupos milicianos brasileiros”, diz.

“No Brasil, os dois estados com as polícias mais violentas do ranking nacional em 2018, Rio de Janeiro e Pará, são também os locais onde as milícias – grupos paramilitares que ganham dinheiro com atividades criminosas – estão mais fortes”, afirma Bruno Paes Manso.

O aumento da letalidade policial, aliás, continua neste ano no Rio de Janeiro. O número de pessoas mortas (434) no primeiro trimestre é o maior de toda a série histórica.

Fonte: G1
Créditos: g1