QUEM VAI REAGIR: A Claro começa hoje a cobrar pelo acesso ao Facebook e Twitter

Hoje, 15 de abril, os clientes da operadora Claro vão ter uma mudança importante em seus pacotes de internet móvel. A franquia de dados dos planos 3G e 4G vai aumentar, levando a uma redução de até 60% no custo por megabyte trafegado, conforme informado pela operadora:

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Por Pedro Ramos do Brasil Post

Dilma, Zuckerberg e o fim do Facebook grátis na Claro

Hoje, 15 de abril, os clientes da operadora Claro vão ter uma mudança importante em seus pacotes de internet móvel. A franquia de dados dos planos 3G e 4G vai aumentar, levando a uma redução de até 60% no custo por megabyte trafegado, conforme informado pela operadora:

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Em contrapartida, os planos de acesso grátis ao Facebook e Twitter serão extintos. Essas promoções comerciais, conhecidas como zero-rating, são atualmente o tema mais quente do debate sobre neutralidade da rede, e que também têm sido alvo de diversas discussões na plataforma disponibilizada pelo Ministério da Justiça para envio de sugestões à regulamentação do Marco Civil.

Mas afinal, o que é zero-rating?

Zero-rating refere-se a uma série de estratégias comerciais desenvolvidas por operadoras em parceria com provedores de aplicações e que visam oferecer gratuidade no tráfego de dados para determinada aplicação e serviço específico. Ao contrário do mercado de banda larga, é comum que operadoras ofereçam a seus usuários planos de acesso à internet com limites de volume de tráfego mensais – por exemplo, em um plano de 100 MB, o usuário somente poderá utilizar internet 3G em seu dispositivo móvel até o limite de 100 megabytes de tráfego download e upload por mês. Por meio de estratégias de zero-rating, operadoras elegem determinadas aplicações e sites cujo tráfego gerado não será contabilizado para esses limites, de forma que o usuário poderá acessar esse site ou aplicação ilimitadamente, independentemente da contratação de um plano específico de acesso à internet.

Uma das primeiras iniciativas nesse sentido é justamente o Facebook Zero, programa mantido desde 2010 e por meio do qual a empresa firma parcerias comerciais com provedores de acesso para que estes ofereçam a seus usuários acesso ao Facebook sem custos de tráfego. Presente em diversos países, o Facebook Zero mantinha-se ativo no Brasill somente na Claro, até hoje.

E o que significa essa mudança de estratégia da Claro?

No meio do debate sobre zero-rating e poucos dias após a presidenta Dilma firmar parceria com a Facebook para desenvolver o projeto Internet.org no Brasil (cujo um dos principais pilares é justamente um aplicativo zero-rated), a mudança de estratégia da Claro é bastante relevante.

Em outros trabalhos, alertei que a discussão acadêmica sobre zero-rating é embrionária: embora haja uma tendência em apresentar evidências sobre os efeitos adversos dessas iniciativas, há ainda base empírica pouco sólida, e duas questões parecem-me importantes para entender os efeitos econômicos e sociais dessas iniciativas na perspectiva dos usuários. A primeira questão é entender se os usuários que acessam a rede pela primeira vez via aplicações zero-rated tendem a, no futuro, expandir o seu uso da rede para novas aplicações, ou se a tendência é que esses usuários utilizem primordialmente somente as aplicações zero-rated.

A segunda questão é se, na presença de planos zero-rating, usuários que poderiam pagar por planos de acesso completo à internet tendem a escolher planos zero-rating visto que esses planos já atendem de forma suficientemente a sua demanda – isto é, se o usuário tiver a opção de um plano de acesso completo e um plano de acesso zero-rating e o preço não for uma variável determinante, qual é a escolha do usuário.

A resposta para a segunda questão parece-me mais próxima de uma solução, se olharmos a iniciativa da Claro e o que tem acontecido em outros países. Em conversas com players no Brasil e em outros países da América Latina, sempre é comum a resposta de que é difícil mensurar empiricamente o quão vantajoso são os planos zero-rating para operadoras quando não há revenue-share envolvido (ou seja, quando são somente estratégias de marketing). Operadoras nos EUA perceberam isso e abandonaram seus experimentos. Na Holanda, acontece exatamente o mesmo que o Brasil – as operadoras aumentaram a franquia, extinguindo o zero-rating, fenômeno parecido com o Chile.

A lição que me parece ficar empiricamente apresentada aqui (e que já era apontado por estudos teóricos) é que zero-rating favorece a manutenção de preços altos no custo por megabyte ao usuário, e a sua não-existência em determinado mercado tende a reduzir barreiras de acesso tanto para usuários quanto para provedores de aplicações. Ainda, se esses planos não tem sido estratégias de marketing eficientes para as operadoras, essa mudança parece sinalizar que, se os usuários tiverem a escolha um plano de zero-rating para sua aplicação favorita e ter mais franquia de dados para todas as aplicações, os usuários podem estar preferindo a última opção.

Zero-rating e desenvolvimento

Resta agora investigar a primeira pergunta: entender se o zero-rating tem ou não um impacto relevante para a redução do “digital divide”, ou seja, levar o acesso para pessoas que, hoje, não tem acesso à internet, fazendo com que cidadãos virem usuários de fato – proposta do Internet.org, por exemplo.

Hoje, no Brasil, somente 22% da classe C acessa internet no celular – número que cai para 10% nas classes D e E. Confesso que sou cético em relação ao papel do zero-rating em aumentar esses números. Planos nacionais de banda larga, financiamento de infraestrutura, incentivos tributários, criação de centros comunitários de acesso à internet, financiamento de pesquisas em desenvolvimento de tecnologia de redes e realocação de espectro são alguns exemplos de iniciativas que podem ajudar muito mais na redução dos custos de acesso à internet e na expansão das taxas de conectividade, sem necessariamente recorrer a modelos de acesso que podem gerar efeitos adversos para a experiência do usuário.

Em um modelo extremo, o zero-rating favorece a criação de barreiras de exclusão social e a potencial divisão entre a “internet dos ricos” e a “internet dos pobres”: esta última seria a periferia do sistema, com acesso limitado a recursos e que, a longo prazo, tenderia a aumentar barreiras de exclusão social, na medida em que os mais pobres seriam cada vez mais diferentes dos ricos no que se refere a acesso a informação, ferramentas de comunicação e interação social.

Ainda, a proliferação de modelos de zero-rating pode criar efeitos de walled-gardens, em que os usuários reduzem o interesse em sair das aplicações gratuitas e explorar os demais conteúdos da rede, reduzindo a possibilidade de que esses usuários venham, no futuro, a aprofundar-se em determinados temas e construir seus próprios conteúdos.

De qualquer forma, enxergo que os debate sobre zero-rating não podem ser feitos de forma desconectada de outras iniciativas de expansão do acesso à internet e de redução das taxas de analfabetismo digital. A iniciativa da presidenta Dilma em apoiar o Internet.org é sem dúvidas bem-vinda, mas não pode ser estruturada como ato diplomático unilateral, e sim inserida nesse contexto amplo, multifacetado e complexo, ignorando debates em andamento e colocando para escanteio os demais problemas da internet brasileira.

A neutralidade da rede está longe, muito longe de ser uma solução para a questão do acesso à internet, mas a sua não existência pode ser um problema maior ainda se queremos um acesso inclusivo e democrático.