determinação judicial

OPERAÇÃO XEQUE-MATE: Câmara de Cabedelo tem 24h para pagar salário de vereador afastado

"De acordo com os documentos que acompanharam a peça de ingresso, o impetrante exerce mandato eletivo de vereador"

A juíza Giovanna Lisboa Araujo de Souza determinou nesta quinta-feira (26), que a Câmara de Vereadores de Cabedelo pague o salário do vereador Rosivaldo Alves Barbosa, afastado na Operação Xeque-Mate.

Leia a decisão na íntegra:

Rosivaldo – Decisão Liminar

Poder Judiciário da Paraíba
3ª Vara Mista de Cabedelo
MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) 0802072-44.2018.8.15.0731
DECISÃO
Vistos.
Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido liminar, interposto por ROSIVALDO ALVES
BARBOSA contra ato supostamente coativo, perpetrado pela Presidente da Câmara Municipal de Cabedelo GEUSA
CASSIO VIEIRA DORNELAS, alegando os fatos expostos na exordial.
Segundo a inicial mandamental, o impetrante exerce mandato de vereador na Câmara Legislativa
Municipal, tendo sido afastado, cautelarmente de suas funções, por força de decisum proferido pelo Des João
Benedito da Silva, nos autos de n. 0000460-66.2018.815.0000.
Assevera que, após consulta realizada ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, a imprensa
local noticiou o corte do subsídio dos vereadores afastados, o que motivou o protocolamento de requerimento “junto a
Câmara de Vereadores”, que foi respondido mediante certidão (ID 1548911), ratificando o corte dos subsídios.
Requereu a concessão de liminar, com o fito de que seja ordenado à autoridade impetrada o
demonstra claramente a intenção do Constituinte: o exame do Judiciário, para a proteção dos direitos, não seria
apenas para reprimir o ato lesivo já praticado, mas, também, e da mesma forma, assegurar a proteção do direito
ameaçado.
A liminar em Mandado de Segurança vem a ser providência judicial que corresponde à
necessidade efetiva e atual de afastar de um dano jurídico, e essa medida específica tem previsão no art. 7°, III da Lei
n.º 12.016/2009, sendo cabível quando forem relevantes os fundamentos do pedido e do ato impugnado houver o
risco de se tornar ineficaz a ordem judicial.
Em consonância com o disposto no art. 1° da Lei 12.016/2009, “conceder-se-á mandado de
segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que
ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver receio de sofrê-la por
parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça”.
Como cediço, a expressão direito líquido e certo pressupõe a incidência da regra jurídica sobre
fatos incontroversos. Assim, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em
norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante.
Insurge-se o impetrante contra supressão de remuneração recebida a título de subsídio de
vereador, pago pela Câmara Municipal de Cabedelo.
De acordo com os documentos que acompanharam a peça de ingresso, o impetrante exerce
mandato eletivo de vereador. Por força de decisão judicial, encontra-se, de forma preventiva, afastado da função
pública.
Ao contrário ocorre com os particulares, a administração pública só pode atuar conforme a lei,
que a doutrina chama de princípio da legalidade, consoante lição de Hely Lopes Meirelles[1]. Verbis:
A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador
público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências
do bem comum, e dele não pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se
à responsabilidade disciplinar, civil ou criminal, conforme o caso.
(…).
Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração
particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o
que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim.
Diante de tal cenário fático, em atenção ao princípio da legalidade, a Presidente da Câmara de
Vereadores do Município de Cabedelo formalizou consulta ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, que, “pela
relevância do tema e, no mérito, respondê-la, em tese, com fundamento nos Pareceres da Consultoria Jurídica do
TCE-PB e do Ministério Público de Contas, de que é irregular o pagamento das remunerações de agentes políticos e
de servidores públicos afastados do serviço ativo por decisão judicial, salvo por decisão em contrário de mesma
esfera” (ID 15175561).
Dúvida não existe quanto à resposta do Tribunal de Contas deste Estado, inclusive, no que pertine
na ressalva à decisão judicial em contrário.
Cediço que afastamento cautelar da função pública de servidor ou de ocupante de mandato eletivo,
acusado ou denunciado pela prática de crime, está autorizada pelo artigo 319, inciso VI, do Código de Processo
Penal. No entanto, no que diz respeito ao direito ao recebimento de subsídio ou salário pelo agente afastado, não foi
esclarecido pelo texto modificado pela Lei nº 12.403/2011.
Ocorre que o regramento contido no § Único, art. 20, da Lei n 8.249/92, estatui que “a autoridade
judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo,
emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à instrução processual”.
(destaquei)
De igual forma, o § 5º, art. 2º, da Lei n. 12.850/2013, giza: Se houver indícios suficientes de que o
funcionário público integra organização criminosa, poderá o juiz determinar seu afastamento cautelar do cargo,
emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à investigação ou instrução
processual. (realcei)
Dessarte, a questão deve ser resolvida à luz dos preceptivos anteriormente citados, que vedam
prejuízo da remuneração do servidor afastado, bem como do princípio da presunção de inocência, expressamente
afirmado na Constituição, em seu artigo 5º, inciso LVII, onde claramente está proclamado que “ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, ou seja, todos serão presumidos
inocentes até que ocorra o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.
Ora, em que pese o fato do não exercício normal de suas funções, a suspensão do pagamento
remuneração/subsídio auferida por servidor público (stricto sensu) ou agente político (servidor público lato sensu), sem
sentença condenatória transitada em julgado, implica em punição antecipada incompatível com os princípios da
presunção de inocência e irredutibilidade de salário, infringindo, também, dispositivos de leis infraconstitucionais.

Nessa esteira, a Excelsa Corte, no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 482.006-4, tendo
como Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, decidiu que “a redução de vencimentos de servidores públicos
processados criminalmente colide com os princípios constitucionais da presunção de inocência (art. 5º., LVII) e da
irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV), (…) validando-se verdadeira antecipação da pena, sem que esta tenha
sido precedida do devido processo legal e antes mesmo de qualquer condenação.”
No mesmo sentido:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) –
POLICIAL CIVIL – PRISÃO CAUTELAR – REDUÇÃO DOS VENCIMENTOS –
IMPOSSIBILIDADE – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA E DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS (CF, ART. 5º,
INCISO LVII, E ART. 37, INCISO XV) – RECURSO IMPROVIDO.[2]
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PRISÃO
PREVENTIVA. DESCONTOS EFETUADOS NOS VENCIMENTOS DURANTE O
PERÍODO DE RECLUSÃO. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA E DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. ACÓRDÃO
RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO.
NATUREZA JURÍDICA DAS VERBAS. INCURSIONAMENTO NO CONJUNTO
FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO
STF. REITERADA REJEIÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPENDIDOS PELA PARTE
NAS SEDES RECURSAIS ANTERIORES. MANIFESTO INTUITO
PROTELATÓRIO. MULTA DO ARTIGO 557, § 2º, DO CPC/1973.
APLICABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.[3]
Ainda:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR
PÚBLICO. DENÚNCIA. CRIME. TRÂNSITO EM JULGADO. INEXISTÊNCIA.
AFASTAMENTO PROVISÓRIO. REDUÇÃO. VENCIMENTOS.
IMPOSSIBILIDADE. ANTECIPAÇÃO DA PENA. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA.
IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS.

A jurisprudência é pacífica quanto a impossibilidade de redução salarial em
casos de afastamento de servidor público denunciado pela prática de crime.
Os mesmos precedentes ressalvam a supressão de vantagens vinculadas ao
efetivo exercício, como, no caso, a produtividade fiscal. Interpretação que
merece reparo, no que diz respeito a cessação da atividade contrária a
vontade do servidor, por violar os princípios da irredutibilidade de
vencimentos e da presunção de inocência, eis que constitui antecipação de
cumprimento de eventual decisão judicial, sem trânsito em julgado. Há que
se verificar, quanto a gratificação de desempenho fiscal, que a atividade
cessa apenas por conveniência da administração, sem benefício ao servidor,
que se vê impedido de efetivar sua produtividade, antes de qualquer
condenação definitiva. Recurso provido.[4]
Ademais, indene de dúvida de que o jejuno de pagamento das verbas remuneratórias
“alimentares” , tem o condão de trazer prejuízo irreparável ao sustento do impetrante e seus dependentes, se houver.
Conclui-se, pois, que a pretensão ao restabelecimento do recebimento de “verba alimentar” é
medida que deve ser deferida, em sede de liminar.
Mediante tais considerações, presentes os requisitos ensejadores da medida de urgência, defiro a
liminar perseguida, para determinar que a autoridade impetrada restabeleça, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, o
pagamento do subsídio do impetrante até o julgamento final desta ação ou do período do afastamento cautelar da
função pública ou trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória.
Oficie-se para cumprimento imediato desta decisão.
Notifique-se.
Intime-se desta decisão.
Giovanna Lisboa Araujo de Souza
JUÍZA DE DIREITO

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba