Entrevista

“Não venderei a alma para ser presidente”, diz Ciro Gomes

Nos 38 anos de vida pública, espalhados por mandatos como governador do Ceará, prefeito de Fortaleza, deputado federal e estadual ou mesmo atuando em ministérios, Ciro Gomes sempre ficou conhecido pelo seu temperamento forte, por não se esquivar de perguntas e por falar o que pensa. Nesta terceira corrida eleitoral ao cargo de presidente da República, após uma década longe da vida pública, o político revela ter o desejo de ser presidente por entender que encontrou, junto à inteligência nacional, uma saída para tirar o país do buraco. Em entrevista exclusiva ao Jornal A TARDE, a quarta da série com os pré-candidatos, o agora vice-presidente nacional do PDT conta como as experiências em pleitos anteriores o prepararam para a próxima disputa no ano que vem.

Que análise o senhor faz do cenário político atual? Caso seja eleito presidente, o que o senhor faria para mudar esta situação?

O povo, que não é obrigado a acompanhar a política como nós somos, observa que na eleição última, um lado ganhou com 50% mais um pouquinho e foi cassado na esteira de um escândalo organizado de forma chocante. O outro lado perdeu com pouco menos de 50% e afundou. Está agora suspenso pelo Supremo Tribunal Federal em um escândalo de graves proporções. Com este cenário, a sensação de que é tudo igual se alastrou muito fortemente. A população, neste instante, está meio triste, meio deprimida, muito assustada com o desemprego, com a violência. Mas a população brasileira é sábia. Ao analisar as pesquisas políticas, você vê que a ela não está incrementando a ausência no voto. Parece que essa depressão não tirou a motivação da população de ainda acreditar no sistema. Vamos ver se a gente consegue equacionar isso.

E como equacionar?

Um possível governo como o meu, já na campanha, se esforçará por isso. Acredito que é possível abordar a população pelo exemplo e pela clareza da ideia. O discurso político pasteurizou e essa sensação de que é tudo igual só será substituída por uma confiança que se restaure as energias para o futuro do país. Se você conseguir pontuar ideias concretas, que respondam fora da marquetagem superficial, ilusória, o que é o problema fica mais fácil. Como chegamos a isso? O que fazer para sair? Que prazos? Que custos? Que sacrifício temos que fazer para fazer isso? Em uma linguagem mais acessível e pontuar cada uma dessas questões com um exemplo, teremos êxito. Quando as pessoas me perguntam da educação, eu digo em primeiro lugar, me dá alegria afirmar que 77 das 100 melhores escolas de educação básica do Brasil pelo Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica] estão no Ceará, que é um dos estados mais pobres do Brasil. Portanto, pelo exemplo, eu já quero mostrar que é possível ser diferente. A partir daí você então diz o que é que se fez na questão da gestão das escolas, com a capacitação do professor, da melhoria do salário, como você desenha a transferência de renda para estimular que essas práticas boas se generalizem.

É possível hoje ser presidente da República sem fisiologismo? Ou é preciso ter uma reforma política consistente para o presidente conseguir comandar o país?

É possível ser presidente sem fisiologismo, sem corrupção. Não sou nenhum inocente. Fui governador, fui prefeito, fui ministro. Fui ministro do Itamar Franco, por exemplo, que governou sem esse tipo de concessão. Não há reforma que conserte o comportamento de políticos corrompidos. Isso não quer dizer que você queira governar isolado dos entendimentos, das negociações. O Brasil é um país federativo, multipartidário e há uma certa legitimidade nessa fragmentação partidária. Lembre-se que saímos de uma ditadura, o país tem uma dimensão regional muito distinta, com cultura das mais variadas de maneira que, tirante os abusos que há, é preciso compreender que pelo menos enquanto a gente não amadurecer costumes democráticos do país, e isso exige meio século, nós temos que conviver com isso. Mas para conviver com isso, você tem que atenuar o impasse de um órgão que é basicamente irresponsável sob o ponto de vista institucional, com a sanidade dos negócios de Estado, com a funcionalidade do serviço público, chamado Congresso Nacional. Como o Congresso não é chamado a explicar saúde, taxa de juros a nível de atividade econômica? Na mesma legislatura que pertenci, parlamentares achando que estavam fazendo coisas boas, aumentaram as despesas e diminuam os impostos, com a revogação da CPMF e a regulamentação da emenda 29 da saúde.

Como corrigir isso? 

Em quatro providências.  A primeira, o presidente tem que propor o desenho do que ele vai reformar antes de se eleger, para que a população ao elegê-lo, escolha também o conjunto do seu ideário. Segundo, aproveitar dos seis primeiros meses até um ano, que deram a todos os presidentes uma maioria inorgânica, pouco politizada, mas quase unânime. Quem duvidar disso, veja as aberrações que o Collor fez e que tipo de reação o Congresso teve senão consentir de forma absoluta. Terceiro, fazer as negociações pelas linguagens que a sociedade aceita como legítimas, por exemplo, o pacto federativo dilacerado. Se o presidente da República conhecer o país como eu conheço, sabe que é uma chance de ouro de convocar os governadores, as lideranças dos prefeitos e redesenhar o pacto federativo para tirar do buraco, 23 dos 27 estados que estão quebrados. O grande atacado do Congresso é a sua interlocução federativa. Não é nem partido, nem lobby, nem grupo de pressão que tem prevalência se não houver os principais cordões sendo mobilizados. O quarto é, se persistir o impasse nesses assuntos centrais, convocar a população para votar por plebiscitos e referendos. Isto é que é o moderno, o democrático.

O seu governo seria composto por técnicos ou políticos?

Meu governo será político. Agora, todos terão que obedecer a premissa de não roubar e não deixar roubar. Todos terão a recomendação de se cercarem de assessoramento técnico de alta excelência e isto vou vigiar pessoalmente. Meu governo será da inteligência nacional.

 Como vê a evolução do Ciro Gomes das campanhas de 1998 e 2002 para a de 2018? Como estas novas características podem influenciar na corrida presidencial?

Eu diria que sou a mesma pessoa só que fazendo 60 anos agora em novembro. Isso não é pouca coisa. A maturidade vem. A minha indignação continua a mesma, mas eu cometi muitos erros para alguém que pretenda liderar um país da complexidade do Brasil. Por exemplo, parte da incompreensão comigo é que eu venho do Nordeste e eu não quero mudar. Lá no Ceará as pessoas me entendem. O jeito que eu falo, as metáforas que uso, o despudor que falo aquilo que penso. Isso na minha comunidade é valorizado, um sintoma que não tenho rabo de palha, que não tenho rabo preso, que não traio a confiança popular e é uma história de vida que tem me permitido, até o presente momento, pela generosidade do povo do Ceará, ganhar todas as eleições. Inclusive, as duas eleições presidenciais em condições hostis. Evidentemente  tive que aprender, e aprendi isso, com muito prazer, com muita honra, que existem vários Brasis. Não é que tenho duas caras, que mude, porque não tenho muito mais jeito e nem quero vender a alma para ser presidente do Brasil. Mas não custa nada eu entender que certas expressões, certas fórmulas de linguagem, não são média no Brasil, especialmente no Brasil mais educado, mais rico. É preciso compreender isso e eu acredito que aprendi espontaneamente.

Na sua visão, qual é o efeito Lula nesse pleito?

Tenho falado que o Lula prestaria um desserviço enorme a ele próprio e ao país se for candidato. Não estou falando dessa crônica policial, judicial, que já é em si muito entristecedora para todos nós. Mas estou falando do fato que o Lula, hoje, divide em ódios e paixões a sociedade brasileira. Nós precisamos desesperadamente discutir em um ambiente menos passional e mais politizado, o futuro do país. Tenho dito nas minhas palestras que não é possível reduzir o Brasil a uma disputa mesquinha entre coxinhas e mortadelas. Mas isso é também uma consequência do jeito que o Lula se comportou.  Afinal de contas, há uma responsabilidade política mesmo com o todo o respeito que tenho com ele. Quem teve a imprudência de colocar o Michel Temer na linha de sucessão foi o Lula, usando a popularidade farta e generosa, merecida que teve, resolveu fazer um pedaço e colocar a Dilma, sem nenhuma experiência anterior para administrar uma contradição como essa. O país está pagando uma amargura muito grave. Não é possível fazer de conta que não aconteceu. O Geddel Vieira Lima foi ministro do Lula. Também foi vice-presidente da Caixa Econômica com a Dilma. O Lula vai voltar para fazer a mesma coisa? Resolvi falar mais claramente isso depois que o vi nesse movimento que ele fez no Nordeste ao subir no palanque com Renan Calheiros.

O senhor então descarta uma possível união com o PT?

Observe o exemplo do Ceará: vou apoiar o candidato do PT. Menos pelo partido e mais porque são assim como as coisas são. Lá, nesse momento, o correto para o povo, o correto para cumprir os compromissos é isso. Na Bahia, não sei o que o PDT vai fazer, mas se eu for o conflito entre Democratas e PMDB contra o PT, eu teria absoluta simpatia de apoiar o PT.  Novamente, eu me movo por interesse público. Por isso eu sou um sobrevivente. Uma pessoa que tem 38 anos de vida pública, nunca respondi por nenhum mal feito, sou respeitado, saio da político como agora me afastei 10 anos, volto e tenho sempre a respeitabilidade, não digo predileção ou simpatia, mas respeito.

O senhor vem dizendo que está com muita vontade de ser presidente. O  que fazer para deixar o país  nos trilhos?

A minha vontade vem da percepção do tamanho do problema e da convicção que eu tenho de que achei, consultando a inteligência do povo brasileiro, a pista do desenho de um novo projeto nacional de desenvolvimento que tem a ver com três grandes interdições que o país precisa equacionar e estou com a ideias para isso. Uma é o passivo privado, o excessivo endividamento das empresas privadas brasileiras. O outro é o colapso das finanças públicas e o terceiro, o desequilíbrio nas contas externas do Brasil, que, na medida que crescemos qualquer coisinha se apresenta um desequilíbrio estrutural que desvaloriza a nossa moeda. Nós temos um filme que já desmoralizou Fernando Henrique e agora, recentemente tirou o chão e deslegitimando precocemente o segundo mandato da presidente Dilma, permitindo o golpe. Também tenho em mente uma estratégia final de uma industrialização forçada por quatro grandes blocos, onde o País já tem autonomia tecnológica, em parte extensa, em parte menos, onde o dinheiro de alguma forma já está sendo gasto, que são os blocos do petróleo, gás e bioenergia; o bloco do complexo industrial da saúde; o do complexo industrial da defesa; e do complexo industrial do agronegócio.

Ainda no âmbito econômico do país, o que o senhor acha da reforma da previdência? Ela é necessária? Qual seria a ideal?

A reforma que está em discussão, de forma alguma é a que o país precisa. É uma aberração, absolutamente inexplicável, intolerável, tosca como tudo que esse governo tem feito na pressa ansiosa de atender ao interesse estúpido de uma elite entregue ao rentismo e a financeirização absoluta da economia, que explica boa parte da tragédia da humanidade. Isto dito, é flagrante que o Brasil precisa de uma reforma fiscal. Estou tratando sempre assim porque não é possível falar em reforma da previdência sem falar em reforma tributária. É preciso tocar as duas juntas e é isso que tenho pensado em fazer. As dificuldades da transição não devem nos inibir de propor ao povo brasileiro, modelos diferentes. Um modelo tributário diferente, que conserte a regressividade do nosso sistema, que grave mais o patrimônio e a renda e menos a produção, o investimento e o consumo popular, especialmente que é a característica mais selvagem do nosso modelo. E o modelo previdenciário de capitalização, público, controlado pelos trabalhadores, supervisionado pelo Estado. Vou propor um modelo novo de previdência social e sem a mentira de que nós precisamos fazer isso na urgência de um déficit impagável. Isso é uma mentira.

Porque é uma mentira?

Como a previdência não quebrou de ontem pra hoje e nem está quebrada, ela simplesmente vem sendo alimentada por uma série de curativos, penduricalhos. Esse conjunto de fatores somados, pagam a previdência este ano. Ainda sobra um pouquinho. Evidentemente que, em perspectiva não vai dar, porque somos uma sociedade que está envelhecendo. Porém, o governo introduziu um negócio chamado DRU [Desvinculação de Receitas da União] que é uma emenda na constituição que desvincula 30% das receitas vinculadas pelo legislador ao financiamento da previdência e joga no saco sem fundo da dívida. Aí se apresenta o déficit gigantesco. Evidentemente isso precisa ser consertado.

Os altos índices de violência no Brasil são um tema recorrente. Como resolver este problema?

No meu período como governador do Ceará tive muito êxito mas, de lá pra cá, as coisas mudaram. Nós fizemos um manual inteiro: ampliação do efetivo policial; ampliação do equipamento; tecnologia; salário; capacitação; treinamento; academia de polícia; polícia comunitária; conselhos comunitários de defesa social. Todas as experiências que já foram aplicadas no Brasil nós fizemos, tivemos êxito em algumas coisas, por exemplo, os casos de sequestro praticamente acabaram. Esses crimes de investigação mais sofisticada, nós conseguimos melhorar os índices. Porém, o homicídio de jovens pobres, negros, caboclos, nos bairros e cidades pobres, na esteira da droga e agora o fenômeno novo, chega ao Ceará a representação dessas facções organizadas do crime, de São Paulo e do Rio de Janeiro e estão ditando de dentro do presídio, ordens para um confronto que está praticando um verdadeiro genocídio. Isso me frustra muito, por isso que eu ando procurando, consultando para buscar novas ideias.
Créditos: Jornal A Tarde