Ronaldo atirou em Burity no restaurante “Gulliver

MUI AMIGO: Há “amigos de verdade” no ingrato território da política? - Por Nonato Guedes

Criticado e apontado por alguns como “oportunista” e “incoerente”, Jurema foi aplaudido por outros que enxergaram em seu comportamento “gesto de grandeza” no cenário nacional, numa conjuntura em que se buscava a pacificação, depois de enfrentamentos que dividiram a sociedade por pelo menos 21 anos. É de Abelardo, aliás, uma definição pouco convencional sobre a amizade: “Amizade se faz em mesa de bar, não numa leiteria”.

Há “amigos de verdade” no ingrato território da política?


As redes sociais, hoje, estão “coalhadas” de mensagens sobre o valor da amizade, postadas por pessoas de diferentes segmentos sociais. É que o calendário assinala o Dia do Amigo ou Dia Internacional da Amizade, comemoração criada pelo dentista, professor e músico argentino Enrique Ernesto Febbraro, durante o auge da corrida espacial da década de 1960. Inspirado na chegada do homem à Lua, o docente argentino considerava a conquista não somente uma vitória científica mas também uma oportunidade de se fazer amigos em outras partes do universo. Consta que ele enviou mais de quatro mil cartas de amizade para vários países e nos respectivos idiomas de cada povo para quem ele escreveu.

Decantada em prosa e verso, a amizade é muitas vezes questionada do ponto de vista da autenticidade. No território da política-partidária, considerado ingrato por ser um ambiente propício a rompimentos, “desalinhamentos” ou traições, há amizades que sobrevivem ao sabor dos interesses em jogo. Dizia o ex-governador paraibano João Agripino Filho que há inúmeros casos comprovados de amizades “com o poder”, não “entre pessoas”, com isto sinalizando que certas relações interpessoais são proporcionais ao proveito que alguns possam tirar para se beneficiar. Autor do romance “A Bagaceira”, marco do regionalismo do Nordeste na literatura nacional, o ex-ministro José Américo de Almeida assim definia esse sentimento: “Tenho a amizade como um pacto de afinidades morais ou intelectuais, com a obrigação do auxílio mútuo”. José Américo acrescentava que só faltou aos “amigos desonestos, quando minha responsabilidade estava em jogo”. E por causa disso, os tais amigos desonestos converteram-se em ferozes inimigos seus.

O chargista Régis Soares, que se consagrou em órgãos de imprensa da Paraíba como o extinto semanário “O Momento” reproduz, hoje, em rede social, uma moldura alusiva à amizade, em que sobressaem, abraçados, personagens como a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e o atual presidente Michel Temer. Quando sofreu o impeachment, Dilma acusou Temer, seu então vice, de ter conspirado contra a sua permanência no cargo, ao invés de manter uma postura reservada diante dos acontecimentos. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não perde a oportunidade de espinafrar Temer como um presidente “golpista”. Reflexo de amizade ditada por conveniências ou interesses, Temer, que tinha no deputado Rodrigo Maia, do DEM-RJ, presidente da Câmara, um amigo ou parceiro na travessia política contra o próprio impeachment de Temer, é visto ultimamente lamuriando-se de supostas conspirações urdidas por Maia, em conluio com outros políticos, para tomar-lhe o cargo. O julgamento de Temer deverá ocorrer no início de agosto, trazendo de volta ao cenário denúncias como as de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Na sátira reproduzida por Régis Soares há reproduções de fotos do governador paraibano Ricardo Coutinho trocando afagos com o senador Cássio Cunha Lima, do PSDB, e com o prefeito reeleito de João Pessoa, Luciano Cartaxo, do PSD. Ricardo e Cássio, que estiveram juntos na campanha de 2010 contra o senador José Maranhão, estão rompidos irreconciliavelmente e trocam farpas quase todos os dias. Com Luciano, Ricardo fechou uma aliança na disputa de 2014, mas em 2016 o pacto foi pelos ares quando Cartaxo se lançou candidato à reeleição, derrotando a candidata lançada por Ricardo, professora Cida Ramos. Ultimamente, Coutinho vem se reaproximando do PT, ao qual foi filiado no início de sua trajetória política e do qual saiu por se sentir rifado na pretensão de disputar a prefeitura de João Pessoa. Houve cenas marcantes na política paraibana que assinalaram reconciliações entre líderes de expressão política, tais como José Américo, Argemiro de Figueiredo, Ruy Carneiro e João Agripino.

Depois de sustentar ferrenhas batalhas contra Marcondes Gadelha, adversário paroquial no reduto de Sousa, no Alto Sertão paraibano, o falecido ex-governador Antônio Mariz surpreendeu a todos, ao se eleger governador em 1994, ao convidar Marcondes para ser seu secretário de Agricultura. Mariz se demorou pouco tempo no exercício do governo, devido a problemas de saúde que se agravaram e ocasionaram a sua morte, mas externava publicamente o desejo de fazer as pazes com os renitentes adversários do passado, encastelados no “clã” dos Gadelha. Wilson Braga, que esta semana completou 86 anos de idade, chegou a elaborar uma lista de “traidores” – pessoas que fizeram parte de seu governo na década de 80 e depois lhe deram as costas. Os ex-governadores João Agripino Filho e Ernani Sátyro alimentaram uma inimizade que rendeu muitos títulos de matérias em jornais impressos, com troca de ironias e comparações de obras, mas ambos se respeitavam e decretavam instantes de trégua na renhida competição.

Um caso emblemático de reconciliação impossível foi o que envolveu os ex-governadores Ronaldo Cunha Lima e Tarcísio de Miranda Burity, já falecidos. A rivalidade política chegou ao ferimento grave, quando Ronaldo atirou em Burity no restaurante “Gulliver” pretextando defesa da honra do seu filho, Cássio Cunha Lima, que teria sido injuriado por Burity em entrevista na televisão. Ronaldo fez seguidas gestões para obter o perdão de Burity. Queria encontrar-se com ele, pessoalmente, em Camboinha, onde o ex-governador tinha casa de veraneio. A família de Burity rechaçou o encontro, alegando que Burity não estava em condições de receber Ronaldo e que já o perdoara de público ao escrever bilhete, no hospital Samaritano, dirigido aos filhos, em que apelava para que não cometessem vingança. O “incidente” entre Ronaldo e Burity foi um dos mais graves na história política paraibana e brasileira.

Um outro episódio emblemático, com conotação diferente, foi a atitude do ex-ministro da Justiça, Abelardo Jurema, que havia sido cassado pelo regime militar e que ao retornar ao Brasil foi ao Planalto apertar a mão do então presidente João Baptista Figueiredo, o último do ciclo militar instaurado no país. Criticado e apontado por alguns como “oportunista” e “incoerente”, Jurema foi aplaudido por outros que enxergaram em seu comportamento “gesto de grandeza” no cenário nacional, numa conjuntura em que se buscava a pacificação, depois de enfrentamentos que dividiram a sociedade por pelo menos 21 anos. É de Abelardo, aliás, uma definição pouco convencional sobre a amizade: “Amizade se faz em mesa de bar, não numa leiteria”.

Por Nonato Guedes

Fonte: osguedes
Créditos: NONATO GUEDES