inclusão

Jovem surda que 'não entendeu nada' do Enem fala sobre redação: 'Conquista'

Na época, ela saiu chorando após não entender absolutamente nada da prova

Há três anos, a estudante Natália Carla deixava a sala de uma escola de Santos, no litoral de São Paulo, com um sentimento de frustração e impotência após prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Na época, em entrevista ao G1, Natália, que é surda, havia dito que não tinha entendido nada da prova. Três anos depois, a agora universitária viu sua história viralizar, nas últimas horas, por conta da redação deste ano: ‘Desafios para a formação educacional de surdos’.

Em 2014, durante a prova, Natália, de 22 anos, foi acompanhada por duas profissionais que traduziam apenas palavras. A norma dificultou a interpretação do contexto das perguntas, já que LIBRAS não utiliza preposições ou conectivos em texto, como a língua portuguesa. Ela levou o caso à promotoria de Justiça, na época, afirmando que ‘o surdo não entende a estrutura da língua portuguesa’. Ela nunca recebeu uma resposta sobre a reclamação.

Na ocasião, sem conseguir entender as questões, Natália acabou pontuando baixo e não conseguiu ingressar em nenhuma faculdade. Hoje, ela cursa administração em uma universidade da Baixada Santista. Se engana, porém, quem imagina que o ingresso na faculdade aconteceu de uma forma tranquila. “Com 13 anos de idade eu ainda estava na quarta série do ensino fundamental. Não conseguia acompanhar as minhas turmas da escola e, na faculdade, precisei largar o curso dos meus sonhos por problemas de compreensão da matéria”, disse ao G1 nesta segunda-feira (6).

Após a primeira frustação no Enem, Natália tentou novamente fazer o exame em 2015, mais uma vez sem sucesso por conta dos mesmos problemas. Por essa razão, ela decidiu cursar biomedicina em uma faculdade particular da região. “Eles contrataram um intérprete, mas ainda assim era muito complicado. Ele não explicava para mim as matérias. Ele não entendia nada. Apenas traduzia”, conta. Com várias dificuldades na aprendizagem, a jovem não conseguiu nota suficiente para passar em diversas matérias e acabou desistindo.

A intérprete de Libras e professora do Instituto Federal de São Paulo, Elayne Kanashiro, explica que o problema da menina não é de aprendizagem, é de ensinagem. “O surdo é totalmente visual. O surdo não entende a nossa leitura. Ele não entende essa estrutura da língua. A redação do surdo é totalmente invertida. O intérprete é só o canal. O surdo precisa ver para aprender. A mensagem precisa ser modificada e readequada para ele”, explica.

Apesar das dificuldades que enfrentou na escola e na faculdade, Natália não desistiu. A jovem atualmente trabalha em uma empresa como assistente administrativa e cursa administração de empresas. “Voltei para a mesma universidade, mas agora faço um curso com vocabulário mais fácil. Ainda é difícil, mas consigo aprender melhor pois tenho uma facilidade um pouco maior de aprendizado com essas palavras mais simples”, afirma.

Para Natália, a escolha do tema da redação do Enem deste ano foi fundamental para levantar uma discussão sobre as dificuldades enfrentadas pelas pessoas surdas na sociedade. “São passos lentos, mas o Brasil está tentando incluir os deficientes. O tema foi ótimo, foi uma conquista para a conscientização das pessoas.

Provavelmente essa escolha aconteceu por conta dos nossos esforços e da luta que nos envolvemos por mudanças positivas para cada um de nós”, comemora.

Apesar disso, Natália acredita que não é um tema de redação isolado que poderá trazer melhorias na qualidade de vida dos surdos. “Nem todos os professores precisam saber LIBRAS, mas todos precisam entender a nossa cultura, respeitar e entender as nossas necessidades e limites. Um começo seria as crianças, ainda na escola, aprenderem o básico de LIBRAS”, finaliza.

Fonte: G1
Créditos: G1