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'Há um grande complô para atrapalhar a investigação', diz Raul Jungmann - VEJA A ENTREVISTA

Em entrevista ao HuffPost, ex-ministro da Segurança diz que Polícia Federal foi impedida de apurar a execução de vereadora

 

Apesar da prisão, nesta semana, de um sargento reformado e de um ex-PM, suspeitos de terem executado a vereadora Marielle Franco (PSol-RJ) e o motorista Anderson Gomes, um ano depois dos assassinatos permanece a pergunta: ‘Quem mandou matar Marielle?’.

Durante todo o ano, Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública no governo Michel Temer, ouviu essa pergunta dentro e fora do Brasil. A esperança dele em uma resposta está na Polícia Federal, que apura a investigação que está sendo feita pelas autoridades do estado do Rio de Janeiro.

Em entrevista ao HuffPost Brasil, feita antes das prisões da última terça (12), ele explica que a Polícia Federal investiga interesses políticos, das milícias, do Escritório do Crime (quadrilha de matadores profissionais que atua no Rio) e de agentes da segurança pública para que não se chegue aos mandantes que executaram Marielle.

Jungmann afirma que pediu mais de uma vez para que a Polícia Federal assumisse o comando das investigações, mas foi impedido por autoridades do Rio de Janeiro, sob o argumento de que a federalização das investigações iria ferir a autonomia do estado.

Marielle e Anderson foram executados em 14 de março do ano passado. A vereadora havia sido assessora do então deputado estadual Marcelo Freixo (PSol-RJ), quando ele presidiu a CPI das Milícias. Na Câmara, a vereadora  mulher, negra e feminista fazia enfrentamento ao grupo. A luta por esclarecimento no caso se tornou um emblema para setores progressistas.

Ao longo do último ano, autoridades de segurança foram cobradas por uma resposta. Em meio à pressão popular, o então ministro da Segurança afirmou que há agentes do estado envolvidos no caso.

Ao HuffPost, ele afirmou que uma possível solução é a despolitização das polícias. Existe um ciclo. As milícias, segundo ele, dominam praticamente metade das comunidades do Rio. “Nessas comunidades, os direitos e garantias constitucionais não valem, o que vale é o estado paralelo, comandado pelo crime. Eles têm o controle do voto no local. Quem controla o voto elege seus representantes.”

A consequência disso é que, no presidencialismo de coalizão, “os governos, para fazerem maioria, entregam cargos a parlamentares, e o que acontece é que esses parlamentares ― alguns deles que vêm da milícia e têm relação com o crime organizado ―  terminam indicando pessoas ligadas a eles para postos no governo, inclusive na área da segurança pública”.

Além de domínio territorial, as milícias movimentam mais de R$ 300 milhões por ano em atividades criminosas e são os grupos que mais crescem, afirmou o chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Rivaldo Barbosa, em abril do ano passado.

Leia a íntegra da entrevista.

HuffPost Brasil: Por que é preciso tanto tempo para resolver o caso Marielle?

Raul Jungmann: Não é a Polícia Federal que investiga o caso Marielle. O caso Marielle é investigado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, em conjunto com o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro. Por duas vezes nós tentamos colocar Polícia Federal à frente da investigação, mas isso foi rejeitado. A primeira vez, por insistência do Ministério Público Estadual, e a segunda, pelo mesmo Ministério Público Estadual e também pela Polícia Civil. Eles afirmaram que a Polícia Federal ia ferir a autonomia do estado. Na primeira vez, o Ministério Público entrou, pelo Conselho Nacional do Ministério Público, contra a proposta de federalização da Procuradoria-Geral da República.

Quando a morte de Marielle fez 6 meses, eu dei uma entrevista, e essa foi a segunda recusa. Dei uma entrevista dizendo que a Polícia Federal estava pronta para conduzir o caso, com uma equipe pré-selecionada, e que, se fosse de interesse, nós estávamos à disposição. Novamente houve um entendimento de que não queriam a participação da Polícia Federal. Diziam que tinham condições. Posso lhe dizer que duas vezes tentamos federalizar as investigações e fomos impedidos de fazer isso. Acho que essa explicação deve ser buscada no âmbito estadual, já que nós fomos impedidos de investigar o caso Marielle.

 

O senhor acredita que há alguma movimentação para impedir que se solucione o caso?

O miliciano Orlando Curicica foi acusado de ser o executor, ele está preso no presídio federal de segurança máxima de Mossoró. De lá, ele deu um testemunho ao subprocurador Geral da República, em que ele acusa a polícia Civil do Rio de Janeiro de querer que ele assumisse a autoria do crime e também acusa diversos agentes da segurança pública do Rio de Janeiro que têm relações com milícias e com o crime organizado e que não têm interesse de que o crime seja esclarecido.

Depois veio um segundo depoimento de uma testemunha, cuja identidade eu vou manter em sigilo, por questão de segurança não posso citar, que repetiu as mesmas coisas que disse Orlando Curicica. Portanto, a procuradora-Geral da República solicitou e eu imediatamente coloquei a Polícia Federal a investigar a investigação que está sendo feita no caso Marielle no Rio de Janeiro.

Eu creio e espero que, em breve, a Polícia Federal apresente o que está sendo feito. Hoje, a minha esperança de que o caso Marielle seja resolvido, eu deposito nesse grupo, nessa força-tarefa que, veja bem, está investigando a investigação. Ou seja, os interesses políticos, das milícias, do Escritório do Crime e o interesse de agentes da segurança pública em que não se chegue aos mandantes que executaram a Marielle.

 

O que mais te chamou atenção nesse caso?

Foram basicamente duas coisas: o profissionalismo da execução, foi uma execução de profissionais, que alguns dizem que teria sido feita pelo Escritório do Crime, que é ligado a policiais da reserva e também a milicianos; e em segundo lugar o fato de que, pelos contatos que a gente dispõe, tem envolvimento de políticos, de agentes da força de segurança, da contravenção do Rio de Janeiro e também de milícias. Ou seja, é um grande complô para evitar que se chegue aos mandantes executores do caso Marielle.
É um grande complô para evitar que se chegue aos mandantes executores do caso Marielle.
No ano passado, o senhor comentou que o crime já influencia nas eleições.

O melhor remédio para esse tipo de problema são duas coisas: não admitir política na polícia. Não aceitar, não promover nenhuma indicação política para cargos da Polícia Civil, da Polícia Militar e de qualquer órgão de segurança. Despolitizar. Porque geralmente a indicação política tem outros interesses, que não são o respeito à lei e a elucidação dos crimes. Em segundo lugar, é colocar para fora quem for pego participando, induzindo ou promovendo a corrupção. São duas medidas básicas para melhorar a segurança no Rio de Janeiro e em qualquer estado.

Não pode ter nenhuma política, porque a política destrói a disciplina e a hierarquia, e as polícias precisam de disciplina e hierarquia. Os critérios de promoção e ocupação de cargo não podem ser políticos. Isso é péssimo. Hoje, como as milícias, crime organizado e o tráfico controlam 830 das 1,7 mil comunidades, os cariocas vivem em regime de exceção.

Nessas comunidades, os direitos e garantias constitucionais não valem, o que vale é o estado paralelo, comandado pelo crime. Eles têm o controle do voto, controlado pelo crime. Quem controla o voto elege seus representantes. Os governos, em regime de presidencialismo de coalizão, para fazerem maioria, entregam cargos a parlamentares e o que acontece é que esses parlamentares ― e alguns deles que vêm da milícia e têm relação com o crime organizado ―  terminam indicando pessoas ligadas a eles para postos no governo, inclusive na área da segurança pública. Por isso que eu digo que não pode ter política. E segundo: foi pego em corrupção, tem que ir para fora de forma sumária, ser expurgado. Não pode permanecer dentro das forças de segurança. Isso é um passo. Existem outros passos, mas esse me parece fundamental.
O estado do Rio de Janeiro vive uma metástase. O Rio de Janeiro é o mais grave dos casos, em que você tem esse domínio das milícias e do crime organizado, que penetrou praticamente em todas as instituições do estado.
O cenário que você descreve é de caos no Rio.

O estado do Rio de Janeiro vive uma metástase. Infelizmente, uma metástase. Não é só o Rio de Janeiro, mas o Rio de Janeiro é o mais grave dos casos, em que você tem esse domínio das milícias e do crime organizado, que penetrou praticamente em todas as instituições do estado.

 

Há alguma medida possível para o curto prazo?

Para o curto prazo, é difícil. É tão ampla essa associação, que eu chamo de aliança satânica entre o crime e a corrupção, que é difícil você vislumbrar. Uma medida fundamental é reestruturar. Restabelecer as polícias é fundamental. Não pode haver essa duplicidade. Se você não restaurar as polícias, você não despolitiza. Se você não expurga, o que a gente pode fazer? Dar colete, dar carro, dar armamento, melhorar salário? Se você não resolver essas duas questões, me desculpe, não tem material, não tem recursos, não tem medida que possa permitir enfrentar essa situação.

 

Depois da Marielle, Jean Wyllys desistiu do mandato por ameaças e Bolsonaro sofreu um atentado. Esses casos serão mais frequentes?

A violência respingando nos políticos não é uma coisa de hoje, isso vem acontecendo acontecendo e tem acontecido. O problema é que, com o avanço do crime organizado, os políticos que se colocam à frente, políticos que buscam combater esse tipo de atividade criminosa, ficam vulneráveis. Geralmente, a medida em que o crime avança, avança também a vulnerabilidade dos políticos. Evidentemente, dos que combatem.

 

Como o senhor soube da execução da Marielle?

Eu tinha acabado de chegar em casa, umas 22h, meu telefone começou a pipocar de ligação de repórteres e também de mensagens com perguntas e me comunicando do caso da Marielle. Eu então liguei para o presidente do Congresso, o presidente do Senado [à época], Eunício Oliveira. Eu tinha uma agenda com ele na manhã seguinte no Ceará, em Fortaleza. Eu propus a ele adiar para que eu amanhecesse no Rio de Janeiro. Ele disse que não seria possível porque o governo estava preparado e não dava para adiar. Fui direto para Fortaleza e voltei direto também para o Rio de Janeiro. Ela morreu no dia 14 à noite, eu cheguei no dia 15 às 16h no Rio de Janeiro, com a doutora Raquel Dodge e com o interventor general Braga Netto, com o chefe da Polícia Civil. Me reuni com Eduardo Gussem, procurador-geral do Ministério Público do Rio de Janeiro, e com outros procuradores e policiais.Tivemos toda uma discussão, onde a doutora Raquel Dodge deixou claro que gostaria de promover a federalização da investigação. Já aí houve a opinião contrária.

De lá adiante, o Ministério Público do Rio de Janeiro entrou no Conselho Nacional do Ministério Público para impedir a federalização, alegando que a medida feria a autonomia do estado. Depois que nós tivemos essa reunião e discutimos isso, dei uma coletiva e acompanhei o caso o tempo inteiro, mas sempre sem poder assumir a investigação.
Ficou claro para a opinião pública, pelo menos assim eu espero, de que não nos queriam na investigação.
Mas as perguntas sobre ‘quem matou Marielle’ eram, em grande parte, endereçadas ao senhor.

Passei o resto do ano [sendo questionado]. Chamei o chefe da Polícia Federal, o diretor que cuidava de crime organizado e o diretor superintendente do Rio de Janeiro. Almoçamos em Brasília e eu disse faria toda a colaboração com a Polícia Civil. A gente passava toda informação que tinha, mas nós não éramos chamados para reuniões, para discutir, não participamos de absolutamente nada. Entendemos que eles não queriam que participássemos.

Eu rodava o Brasil e, mesmo no exterior, fui à Colômbia e à Argentina, e todos me perguntavam sobre Marielle, porque todos julgavam que nós tínhamos a responsabilidade no caso Marielle, o que não era verdade. Eu então comecei a pensar que precisávamos dar uma resposta. Porque as pessoas vão achar que nós não elucidamos o caso Marielle quando a gente tinha a Polícia Federal, que é uma das melhores polícias investigativas… No sexto mês, eu disse que estávamos prontos para assumir. “Se quiserem, nós assumimos, a polícia está aqui, já temos nomes para compor uma força-tarefa para entrar nisso” e novamente foi recusado. Ficou claro para a opinião pública, pelo menos assim eu espero, de que não nos queriam na investigação.

 

Qual balanço o senhor faz da intervenção?

O melhor que se pode dizer é sobre a queda dos indicadores. Houve queda de homicídios, roubos, furto. Único indicador que ficou negativo foi exatamente a letalidade policial. Esse foi o ponto negativo. Mas, no geral, a intervenção foi muito bem. Deixou dinheiro, recuperou equipamentos, comprou carros, procurou reciclar os policiais, qualificar, deixou um planejamento. Nesse sentido, eu acho que a intervenção, ainda que breve, ainda que limitada, mesmo assim, foi positiva.

A man walks past a wall with an image of murdered activist and councilwoman Marielle Franco, in Rio de Janeiro, Brazil March 13, 2019. REUTERS/Sergio Moraes

Fonte: Huffpost Brasil
Créditos: Huffpost Brasil