ideias ultraconservadoras

Bolsonaro e Trump: perfis parecidos, mas nem tanto

De tanto ser chamado de Donald Trump brasileiro, inclusive por renomadas publicações estrangeiras, Jair Bolsonaro (PSL) não esconde que deseja copiar o presidente americano. A forma de fazer campanha, as ideias ultraconservadoras e as bandeiras nacionalistas os aproximam. Mas analistas enumeram uma série de diferenças que tornam mais difícil para o ex-capitão do Exército — líder nas pesquisas nos cenários sem o ex-presidente Lula — repetir o feito do magnata republicano.

— O Trump serve de exemplo para mim — disse Bolsonaro, em outubro do ano passado, para uma plateia lotada de brasileiros em Boston.

Na lista de diferenças relevantes entre as duas campanhas, a mais citada é o sistema partidário e de votação. Trump só foi eleito por causa do colégio eleitoral, pois ficou quase 3 milhões de votos atrás de Hillary Clinton. E, ainda assim, o americano contou com uma estrutura que tinha palanques fortes em todas as disputas estaduais para vencer em 2016. E uma legenda que, na largada, conquista praticamente metade dos Estados Unidos.

— Em um sistema bipartidário, um candidato já inicia com cerca de 40% dos votos. A dinâmica americana é muito diferente da realidade brasileira, com 28 partidos no Congresso e 35 disputando as eleições — afirma James Green, professor da Universidade de Brown (Rhode Island, EUA), onde dirige a Brown’s Brazil Initiative.

Por outro lado, Bolsonaro levaria vantagem por causa do voto obrigatório no Brasil. Nos EUA, o voto é facultativo. Lá, é mais difícil convencer a pessoa a sair de casa do que a escolher um candidato, que é republicano ou democrata. Aqui, o desencanto com a política aliado ao voto obrigatório abre caminho para o deputado federal.

— Ambos se vendem como anti-establishment, exploram a desilusão e a raiva de parte do eleitorado — avalia Peter Hakim, brasilianista e presidente emérito do centro de estudos Inter-American Dialogue, na capital americana.

Outra diferença que tem origem nas regras da eleição é o financiamento. A campanha de Trump foi rica, chegou quase a US$ 1 bilhão. O candidato usou sua fortuna pessoal para dizer que não precisaria tentar enriquecer no poder. Bolsonaro está longe de assegurar uma estrutura de arrecadação que se assemelhe à de Trump.

Hakim vê ainda outra diferença fundamental: a falta de símbolos para Bolsonaro.

— Trump propôs o muro na fronteira com o México que representava tudo: a luta contra os imigrantes, contra a violência, a proteção comercial. Bolsonaro não tem um projeto simbólico.

A “bandeira” de Bolsonaro, até o momento, é a agenda da segurança e do combate à corrupção, mesmo sem ainda ter apresentado propostas concretas nas duas áreas. A mesma diferença se aplica ao debate econômico. Trump foi eleito em um momento em que a economia não era a maior preocupação americana, ao contrário do Brasil de agora, onde o tema é uma das prioridades. E Bolsonaro, até agora, não apresentou nenhum plano consistente para a recuperação do emprego e da renda.

AS SEMELHANÇAS ENTRE OS DOIS

No campo das semelhanças, o nacionalismo, a luta pela livre circulação de armas e o discurso contra o aborto, além do ataque visceral ao politicamente correto, fazem parte do repertório de ambos. Também é similar o método usado para que os dois passassem de azarões à liderança das pesquisas: engajamento de rede social em números muito superiores aos adversários; polêmicas em série que dão visibilidade; “o controle da narrativa” da campanha, com uma militância fiel; e o posicionamento como um “forasteiro” da política “contra tudo isso que está aí”.

Mauricio Moura, presidente da Ideia Big Data — empresa de pesquisas de opinião — vê ainda a busca de inimigos a todo momento, em especial a mídia, como uma estratégia comum.

— Em 2016, vimos muitos casos de voto envergonhado no Trump, ou seja, eleitores que não assumiam o apoio ao republicano, nem mesmo em pesquisas eleitorais. Isso já está ocorrendo no Brasil e será um desafio para os institutos de pesquisa — disse Moura.

CONHEÇA AS DIFERENÇAS…

Força partidária: Nos EUA, com dois partidos, eleitores são fiéis à legenda, independentemente de quem é o candidato.

Voto obrigatório: Nos EUA, o voto não é obrigatório e isso muda a dinâmica das eleições.

Dinheiro. A campanha de Trump foi rica, chegou quase a US$ 1 bilhão. O candidato usou também sua fortuna para dizer que não precisaria tentar enriquecer no poder.

Palanques estaduais: Trump contou com a maior parte dos governadores, deputados e senadores eleitos nos estados.

… E SEMELHANÇAS

Contra o sistema: Não se vendem como políticos, mas como diferentes da política.

Redes sociais: Twitter e WhatsApp são armas das campanhas. Seguidores nas redes muito superiores aos concorrentes.

Militância. Grupos se envolviam de graça e com vigor em suas campanhas, multiplicando suas mensagens.

Narrativas: Temas polêmicos garantem notícias e repercussão.

Fonte: O Globo
Créditos: O Globo