Os analistas do Datafolha “descobrem” hoje que a divisão dos votos, no Brasil, não é essencialmente geográfica, mas social.

Muito bem, é um progresso, porque vai além do primarismo “coxinha” de considerar que a “culpa” da vitória de Dilma é “dos nordestinos”.

Mas ainda resta “descobrir” porque a classe média “intermediária” – classificação da Folha para os que ganham até R$ 3500 e têm nível médio se divide, quase que meio a meio, entre a candidata à reeleição e o tucano Aécio Neves.

É curioso, porque quase este todo contingente, há uma década, após os governos do PSDB não estava ali, mas abaixo, muito abaixo do padrão de vida – que não há de deixar de reconhecer como modesto –  de que hoje desfruta.

É que, quando não há debate político e sentido de causa coletiva no progresso a ascensão social embute o sentimento mesquinho de restringir à vitória pessoal a uma sensação de que é só a si que o sucesso se deve e uma tendência e desprezar os que ficaram abaixo.

Na simplicidade dos nossos, então, 16 anos, o meu amigo e colega de Escola Técnica Pedro Bravo Vasconcelos dizia que um dos problemas que nossa classe média era “comer pão com pó de pedra e olhar para o pobre que come cascalho ao seu lado e diz que a dela é mais macia”.

Isso é próprio dos processos de ascensão social, ao longo da história. O sociólogo, historiador e ativista político Mário Matos, de Cabo Verde, descreve o que seu viu, também por lá, com a independência e o progresso que se seguiu naquele país africano irmão:

“o pior é que, entre nós e um pouco por toda a parte, o parvenu (pessoa que ascende e muda de classe rapidamente; nota do Tijolaço), fiel à percepção social que dele predomina, geralmente não surge associado a comportamentos de frugalidade e simplicidade. Evidencia uma sofreguidão para exibir a sua condição de abastado, – é o campeão do consumo ostentatório – convencido de que é assim que obtém o reconhecimento social e do seu grupo de referência, procurando estabelecer a diferença social com os “de baixo”, tentando aproximar-se aos “de cima”...

Não é a todos que isso acontece, obvio, mas certamente é a muitos.

Vivemos  um processo construído, em boa parte,  pelas ilusões economicistas  do PT (de que bastariam os avanços econômicos para que esta classe média ascendente tivesse grande solidariedade política ao governo), pelo mito da “gestão técnica”  mas também porque, nos deixamos a pauta do conservadorismo – inflação e corrupção – se transformasse na pauta nacional por um massacre midiático que foi aceito, desde o início deste governo, como temário das discussões.

Da “faxina” ao “petrolão”, os termos e a pauta foram criações da direita, que não tem um programa de desenvolvimento social  ou econômico a mostrar, senão o primarismo de acenar que, com uma dúzia de ministérios a menos os problemas do Brasil resolvidos e que com eles – a piada é grátis – a corrupção estará resolvida.  Nenhuma receita nova que não tenha sido usada desde os tempos da “caça aos marajás” e do “Estado-elefante” com que usaram Fernando Collor para evitar que nossa redemocratização política coincidisse com o resgate do processo de restauração do processo de recuperação da caminhada de progresso social e afirmação nacional que a ditadura de 64 veio para interromper.

Há, porém, uma diferença, extremamente importante e decisiva para este processo eleitoral.

É que esta classe média que ascendeu, despolitizada, tem num horizonte muito próximo no tempo a possibilidade de ver o que tem a perder e quase nada de concreto, afora aquelas velhas cantilenas, com o parco e pobre futuro “moral” com que lhe acenam,

Os que falaram e falaram em “padrão Fifa” talvez consigam, em parte, perceber que onde querem nos levar é, sim, ao “padrão FHC”.

O pouquíssimo engraçado e grosseiro ex-comediante Marcelo Madureira, convertido a “intelectual” na página de vídeos da campanha de Aécio Neves, trai-se ao afirmar, literalmente, que ”Aécio reúne todos os requisitos para ajudar a colocar o país de novo nos trilhos”.

Vejam: estávamos, para esta gente, nos trilhos.

É por isso que não se pode cair na ilusão de que esta campanha tenha de ser, essencialmente, propositiva.

Porque não há nenhuma proposta de futuro a debater senão a de que ele não nos leve, outra vez, àquele passado. E nada será, para o segmento que se toma de ilusões, de ser colocado de frente àquilo que era, ao seu próprio fantasma.

E veja, estarrecido, muito menos o que ganhou do que aquilo que, agora, tem a perder.

Adiante, vencendo, talvez possamos tratar mais do futuro. Se não erremos, mais uma vez, praticando um “liberalismo do controle remoto” que deixe de fazer compreender que a justa ascensão o à classe média de parcelas imensas do povo brasileiro à classe média não pode prescindir de que pensemos e nos sintamos o que somos: um só povo, cujos destinos e sucessos interdependem.