Truculência em série - Rubens Nóbrega

Primeiro, a truculência administrativa. O governo corta o ponto e o salário de maio dos professores grevistas com base na frequência do mês em curso, quando no mínimo deveria ter se baseado na freqüência de abril.

Mas aí não teria como fazer o mal, porque em abril os professores deram aula e só começaram a greve em maio. Tem nada o quê! Bota a folha pra ‘rodar’ num computador apetrechado de tecnologia premonitória.

Não deu outra. A folha fechou em meados do mês, mas graças a um programa chamado Ricardex 4.0, o governo computou e descontou faltas que ainda iriam acontecer, com a greve avançando na segunda metade de maio.

Nessa, penalizou tanto grevistas como não grevistas. A chibata governamental lanhou as costas e o bolso até mesmo de quem estava de licença para tratamento de saúde, de atestado ou de quem simplesmente não aderiu à greve.

Vai ver o governo não reparou nesses detalhes porque não existe problema de saúde individual ou coletiva na Paraíba. Se tem gente morrendo por aí, a culpa é de quem morre e não de quem nega os meios de salvar vidas, não é mesmo, Excelência?

E por falar em saúde…

A mesma truculência que causa mortes na porta de hospitais sem médico para atender também se volta contra médicos grevistas ou demissionários e, na base da força e da ameaça, obriga médico do Edson Ramalho a dar plantão no Trauma.

Pois é. No Hospital Edson Ramalho, que está ‘pelas tabelas’, superlotado, seus 13 cirurgiões gerais, oficiais médicos da PM, foram atingidos por ato do governador do mais puro autoritarismo aliado a mais absoluta falta de equilíbrio.

Obrigando os médicos da PM a trabalharem no Hospital de Trauma da Capital, o Doutor Ricardo não apenas piora o que já é ruim como exorbita os limites da própria truculência, forçando aqueles profissionais a transgredirem sua própria ética.

Mas de que vale um Código de Ética Médica para quem é capaz até mesmo de manter fechado um hospital como o Trauma de Campina, que o antecessor deixou prontinho para funcionar, todo equipado, só para não dar cartaz ao adversário?

Voltando aos professores

Ei, peraí… Para cortar ponto de grevista não teria que haver, antes, a decretação da ilegalidade da greve? Em tese, sim, mas isso não é problema para um governante que se julga acima da lei. Da Justiça, então… Ir à Justiça poderia ficar para depois.

E ficou. Ficou para depois da invasão do Palácio e do cacete a Guarda Ricardiana deu em alguns invasores, que sentiram na pele toda a truculência física reservada àqueles que atentam contra a imagem do governo.

Pensam que foi só isso? Que nada! Da truculência física o governo partiu para a truculência jurídica. Ontem, mediante liminar expedida pelo desembargador Marcelo Romero, do Tribunal de Justiça, conseguiu reforçar o castigo contra os recalcitrantes.

Agora, além de obrigados a voltar às aulas em 72 horas (pense como será voltar a dar aula sob essas condições, nesse clima!), se não o fizer a categoria verá sindicato e associação de classe falidos sob o peso de multa diária estipulada em R$ 20 mil.

Ação na instância errada

Foi no TJ que o governo entrou com uma Ação Ordinária Declaratória de Ilegalidade de Greve do magistério estadual, mas juristas consultados pela coluna dizem que aí teria ocorrido nova truculência, que seria uma truculência jurisdicional.

“Em matéria cível, a única ação ordinária que um tribunal pode julgar é uma rescisória”, garantiu-me um amigo que entende do riscado, acrescentando que nesse caso específico houve o que ele e seus colegas chamam de supressão do juízo natural.

Tentando traduzir para ‘linguagem de gente’ o que ele disse, com a ressalva de possível equívoco da minha parte, deduzo que a ação do governo deveria ter sido protocolizada na Vara da Fazenda Pública (que seria o tal ‘juízo natural’) e não no TJ.

A propósito, outro jurista do mesmo naipe lembrou que nesse proceder o Ricardo I deveria ter se mirado nos Cássio I e II. Cássio, quando foi à Justiça pedir a ilegalidade de uma greve de policiais civis, o fez perante a Vara da Fazenda Pública.

“E quem decidiu a parada, em favor do governo, foi a juíza Silvanna Lisboa, da 2ª Vara da Fazenda Pública. E quem entrou com a ação foi o Doutor Harrison Targino, então procurador geral do Estado. Pergunte a ele se não é verdade”, recomendou.

Pergunto mais não, amigo

Confio na sua informação e lhe digo, com toda sinceridade, o que a experiência me tem ensinado nos últimos meses: tentar ouvir um governo truculento assim ou figuras desse governo é como dar banho em doido. Você perde o tempo e o sabão.

De qualquer forma, esse meu amigo acredita que os advogados do Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado (Sintep) e da Associação dos Professores de Licenciatura Plena (APLP) têm condições de derrubar a liminar do governo no STJ.

Além de pedirem ao Tribunal Superior de Justiça o reconhecimento da legalidade da greve, os professores devem argumentar pela ilegalidade da liminar concedida em razão de ‘abuso de competência por supressão de instância’.

No mais é esperar para o final deste ano mais uma truculência desse governo, dessa vez contra os alunos, todo o sistema educacional e a própria legislação que rege o ensino.

Vai acontecer se não houver reposição do salário cortado agora em maio, porque não haverá reposição dos dias de greve. Repondo aulas sem receber por elas, os professores cometem uma ilegalidade, porque assim estariam trabalhando de graça para o governo, provocando o enriquecimento sem causa do Estado.

Resumindo: sem devolver o que tomou o governo não fecha o ano letivo. Que, segundo a lei, deve ter 200 dias de efetivo trabalho escolar. Mas de que vale a lei diante de um governo que oprime os governados desse jeito, um jeito muito truculento de ser.