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'A Polícia brasileira está de ponta-cabeça' - Por Luís Francisco Carvalho Filho

O número de mortos pelas polícias no Brasil em 2015 cresceu 6,3% em relação a 2014

policia-sao-pauloNão é surpreendente o resultado da pesquisa realizada pelo Datafolha para o Fórum Brasileiro de Segurança Pública: além de temer criminosos (o Brasil tem um dos mais elevados índices de homicídio do planeta), a maioria da população (59%) tem medo de agressões da PM. O número cresce (67%) entre jovens de 16 a 24 anos.

A Polícia Civil, com a imagem historicamente comprometida pela corrupção, também gera medo em 53% dos entrevistados.

A PM é preparada para enfrentamentos. Trata todos como suspeitos. Quanto mais distante do olhar crítico da imprensa, quanto mais afastada do centro geográfico das grandes cidades, mais excessos, mais truculência. O país se acostumou e vê com certa naturalidade tiroteios, batidas indiscriminadas, humilhação e prisões para averiguação.

Outro resultado da pesquisa do Datafolha, aparentemente contraditório, ajuda a explicar o sentimento de insegurança: 57% dos entrevistados concordam com a frase “bandido bom é bandido morto”. O número cresce em cidades menores e na população com menos escolaridade. Neste círculo perverso de violência, “bandidos” se confundem com “não bandidos” simplesmente porque se parecem com “bandidos”.

Se o Brasil está cansado da impunidade, o que estimulou a festejada decisão do Supremo Tribunal Federal a favor da prisão do condenado após o julgamento de segunda instância (antes, portanto, do veredicto judicial definitivo), em relação a abusos de autoridade a intolerância deveria ser ainda mais drástica. Mas não é.

Policiais envolvidos em ocorrências graves não deveriam ser imediatamente afastados? Permanecem nas ruas. Para a pessoa comum, as corregedorias são escritórios de intimidação. No Judiciário, a palavra de policiais prevalece, quase sempre, quando há confronto de versões. No Parlamento, a bancada da bala se fortalece e defende interesses corporativos. A lei de abuso de autoridade do regime militar, ainda em vigor, é incapaz de punir as violações das liberdades constitucionais.

O número de mortos pelas polícias no Brasil em 2015 cresceu 6,3% em relação a 2014. Foram 3.345 mortos pelas forças de segurança, nove indivíduos por dia, a maior parte (45% dos casos) concentrada no Rio de Janeiro e em São Paulo. “Tenho ódio da polícia”, diz a mãe de uma vítima ouvida pela reportagem da Folha.

A guinada do Brasil para a direita é componente novo. A Justiça da Infância e da Juventude de Brasília autorizou o uso de estratégias inusitadas para a desocupação de escola em Taguatinga, inspirada, talvez, em Guantánamo: privação do sono e da alimentação. É assim que se enfrenta movimento estudantil, certo ou errado, justo ou estúpido?

Em Santos, a PM interrompeu encenação de peça teatral (“Blitz – O império que nunca dorme”), algemou e prendeu um dos atores por considerar o espetáculo em praça pública uma “afronta” à corporação (os atores usavam fardas) e também pelo desrespeito a “símbolo nacional”, a bandeira brasileira hasteada de ponta-cabeça.

Uma coisa nada tem a ver com a outra? Talvez. De ponta-cabeça está a polícia, que mata e assusta demais. Além do latente despreparo psicológico das tropas, a veia autoritária dos seus comandantes encontra mais espaço para prosperar.

Fonte: Folha de S. Paulo