POLÊMICA; 'Religião não tem nada a nos dizer', afirma pesquisador e cientista do Big Bang

No dia 20 de abril de 2015, Peebles deu uma conferência na sede da Fundação BBVA em Madri intitulada "A descoberta e a expansão do universo". Antes, ele concedeu uma entrevista onde disse, entre outras coisas, que a religião não influencia em nada o seu trabalhador de pesquisador do Big Bang. "A religião não tem nada a nos dizer", falou. "Mas também diria que não temos nada a dizer à religião,"

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De Daniel Mediavilla
para El País

Em 1964, Robert Wilson e Arno Penzias, dois engenheiros da companhia Bell Labs, estavam ocupados construindo uma nova antena de comunicações. Durante seu trabalho, detectaram um ruído de fundo que não conseguiam eliminar e que não sabiam de onde procedia. Finalmente, aquela radiação foi identificada como o fundo cósmico de microondas, uma radiação fóssil que era uma espécie de eco do Big Bang. A descoberta, que mereceu o prêmio Nobel, dava razão aos cientistas que haviam defendido a ideia de que o universo começou em um pequeno ponto extremamente quente e denso, do qual se expandiu.

James Peebles (nascido em Winnipeg, Canadá, em 1935), na foto, é um dos cientistas que havia previsto a existência daquela radiação de fundo. Pouco antes da descoberta dos engenheiros da Bell, tinha planejado sua busca junto com outros pesquisadores da Universidade Princeton (Estados Unidos). Segundo o físico canadense, nem ele nem seus companheiros expressaram qualquer decepção por terem sido antecipados em uma corrida ao Nobel. “O que existia era emoção diante dos dados sobre a origem do universo que estavam ali para ser medidos e analisados”, afirma em artigo que lembrou o 50º aniversário da descoberta.

No dia 20 de abril de 2015, Peebles deu uma conferência na sede da Fundação BBVA em Madri intitulada “A descoberta e a expansão do universo”. Antes, ele concedeu uma entrevista onde disse, entre outras coisas, que a religião não influencia em nada o seu trabalhador de pesquisador do Big Bang. “A religião não tem nada a nos dizer”, falou. “Mas também diria que não temos nada a dizer à religião,”

Segue a entrevista

Mudou muito nosso conhecimento sobre o universo desde que o senhor começou a pesquisar?

Mudou incrivelmente. Quando começamos, há 50 anos, falava-se no Big Bang, mas era um conceito muito especulativo. Havia muito pouca evidência de que tivesse acontecido. O descobrimento dessa radiação fóssil há 50 anos e os estudos posteriores, realizados com detalhes espetaculares, permitiram consolidar a ideia de que o universo se expandiu a partir de um estado denso e quente. É um avanço extraordinário.

Apesar do avanço que o senhor menciona, dá a sensação de que em cosmologia, pelo menos do ponto de vista dos não especialistas, não houve descobertas do impacto cultural do Big Bang.

As ciências naturais dependem das observações. As ideias são boas, mas tão boas quanto as provas que as sustentam. A noção de um universo que se expande já não é revolucionária, mas as provas de que é algo que realmente acontece são o grande avanço. Também temos importantes avanços teóricos, como a proposta da matéria escura e da energia escura. Temos provas convincentes de que esses conceitos são reais, mas não posso lhe dizer o que são ou se há alguma alternativa melhor.

Há alguma descoberta que tenha lhe parecido especialmente surpreendente há meio século?

Teria sido uma série de surpresas. A ciência avançou de uma forma mais ou menos progressiva nos últimos 50 anos. Houve muitas descobertas importantes, mas o efeito cumulativo é maior que cada um individualmente. Às vezes se realizam observações chaves que têm grande importância, mas com muito maior frequência é o acúmulo de pequenos avanços, que se somam uns aos outros, o que nos dá uma ciência desenvolvida. Em todo caso, se tivessem me dito há 50 anos como ocorreria esse processo, eu não teria acreditado.

De fora, pode parecer que as grandes descobertas vêm do nada, de momentos de inspiração.

Há descobertas impressionantes que surpreendem todo mundo, mas são raras. O mais normal são esses avanços progressivos que, depois, é possível que apareçam de repente na mídia como uma grande descoberta. A descoberta do fundo cósmico de microondas foi transformadora. A mera existência dessa radiação foi uma grande vergonha para a teoria concorrente 50 anos atrás, a teoria do estado estacionário [que defendia um cosmo estático, que sempre foi e sempre será, no qual a matéria se cria de maneira lenta e constante]. Recentemente, houve uma grande excitação com o descobrimento do BICEP2 de uma polarização que poderia se dever a ondas gravitacionais produzidas durante a inflação. Isso teria completado um dos pontos incompletos de nossa teoria, porque não podemos garantir o que aconteceu antes que o universo começasse a se expandir. A melhor aposta que temos é a inflação, mas as evidências que a apoiam são escassas. Se a descoberta de BICEP2 tivesse se confirmado, teria me dado mais confiança em que a inflação é a resposta adequada, e isso teria sido realmente outro experimento transformador. Mas afinal não se confirmou.

O senhor se surpreenderia se a ideia da inflação fosse descartada pelos resultados de outros experimentos?

Não. A inflação poderia se mostrar errônea, e não me surpreenderia. Se aparecessem evidências de que o universo não se expande, algo que creio que não acontecerá, sim, eu ficaria realmente surpreso. Diria que as possibilidades são zero, mas não deveria dizer zero. Não creio que haja uma teoria que seja absolutamente correta. Para dar um exemplo, sobre a conservação da energia, nos EUA você não pode patentear uma máquina de movimento eterno. Há uma boa razão para isso.

Os experimentos demonstraram muitas vezes que a energia se conserva, e no entanto, na teoria da relatividade geral, a energia não se conserva. Mas as máquinas de movimento eterno são extremamente improváveis. Não podemos garantir que não existem porque não podemos chegar à verdade última. Isso vale inclusive para a matemática. Em ciência, só temos aproximações excelentes.

Mas suas descobertas, apesar de parecerem mais limitadas que as certezas que a religião pode oferecer, influem muito na ideologia das pessoas, em seu modo de ver o mundo.

Espero que você tenha razão, mas, por exemplo, nos EUA temos políticos bastante curiosos, pessoas em níveis muito elevados, que consideram a noção de um universo que se expande uma abominação, porque não está escrita na Bíblia. Se você me perguntar qual é a influência da religião em meu trabalho, eu diria que a religião não tem nada a nos dizer. Mas também diria que não temos nada a dizer à religião. São âmbitos diferentes, e muita gente se sente incomodada com isso.

De fato, George Lemaître, um dos pais da ideia do Big Bang, era um sacerdote católico. O senhor o conheceu?

Quando ele começava a se aposentar, eu começava a subir. Não o conheci pessoalmente, mas sim seu trabalho, e o admiro. Nos anos 1930, entendeu muito bem a teoria da relatividade de Einstein, era um indivíduo excepcional. É claro que era muito religioso, mas não tinha problema em reconciliar os dois âmbitos. Ele disse uma coisa de que eu gosto muito. Se um crente quer nadar, é melhor que o faça igual a um não crente. E o mesmo acontece com as ciências naturais: se um crente trabalha nelas, deve fazê-lo como um não crente.

Além de ajudar a conhecer o passado do universo, a física faz previsões sobre qual será seu destino final. Há alguma que lhe pareça mais interessante?

Não acho essas previsões muito interessantes. O passado se entende muito melhor que o futuro porque há fósseis. O futuro é fascinante. Podemos dizer que o mundo acabará. Mas nossa ciência tem muitas dificuldades para entender o futuro, porque não entendemos bem a energia escura, que está afetando o ritmo de expansão do universo agora e poderá ter um efeito muito grande no futuro ou não, dependendo da natureza da energia escura, que desconhecemos. O universo continuará se expandindo ou se contrairá de novo até produzir um Big Crunch [grande esmagamento]? Para mim, é uma pergunta pouco interessante, porque não há forma de testar as respostas.
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