Logo, um segundo membro do grupo confirmou que os dois atiradores eram dali. Começou um intenso debate entre os membros, anônimos, que comemoravam a possibilidade de o fórum – um antro de ódio contra mulheres, negros e nordestinos, além de pedofilia e culto à violência – ter incitado os atiradores a abrirem fogo de forma brutal contra os colegas da escola. Surgiram posts com imagens do que seria a roupa que os assassinos usavam, informações de que eles teriam sido financiados pelo moderador do fórum e até um suposto pedido de ajuda dos atiradores sobre como conseguir armas, que teria sido postado dias antes do atentado.

Ninguém sabe, ainda, se os atiradores eram de fato membros do chan que tenta levar créditos pelo atentado. O Ministério Público de São Paulo já avisou que pretende investigar a ligação – inclusive se os membros do fórum, de alguma forma, facilitaram o acesso dos adolescentes às armas usadas no crime. De concreto, até agora, só posts anônimos que tentam fazer parecer que os dois assassinos eram cria do chan.

A foto de um dos atiradores com um uma arma e uma balaclava de caveira, que já circulou exaustivamente, foi pensada para isso. A imagem é perfeita para a mídia: é atraente do ponto de vista estético, cria um monstro real e mostra o assassino. Jornais estamparam, de forma irresponsável, as fotos dos assassinos nas posições que eles escolheram: de armas em punho, ameaçadores, em uma posição de poder que provavelmente jamais tiveram em vida. Os editores do Intercept decidiram não publicar nomes e as fotos dos responsáveis pelo massacre nem o nome e prints das conversas do fórum.

Republicada à exaustão, a imagem cria um mito. Nos chans, o adolescente de 17 anos que assassinou os colegas já virou um herói.

Das ameaças aos crimes

Um chan é uma imageboard, uma espécie de fórum onde as postagens, todas anônimas, estão todas em uma mesma página. Eles costumam discutir assuntos variados e têm públicos bem específicos. Os chans mais agressivos, em geral, são formados por homens brancos, jovens e heterossexuais, que costumam se colocar contra pautas progressistas e, costumam ser misóginos, racistas e cultuar a violência.

Nos posts, quanto maior o choque, maior a graça gerada por ele – ou, no jargão, o lulz, corruptela da sigla em inglês lol, uma referência a algo muito engraçado. Foi o caso do massacre: se os atiradores saíram do fórum, foi um enorme lulz. Se não saíram, a imagem dos assassinos estampada na capa dos jornais também vale o culto de seus membros.

“Eles trabalham na lógica de brincadeira como forma de capitalizar. Eles querem acumular lulz, o que significa que o sujeito é mais potente na arte da trolagem”, diz Viktor Chagas, Professor da Universidade Federal Fluminense e líder de pesquisa no Laboratório de Comunicação, Culturas Políticas e Economia da Colaboração. Mas é óbvio que isso não significa que essa dinâmica seja inofensiva. “Você não pode esperar muito para tomar uma atitude sobre isso”, diz o professor da UFF.

Posts com ameaças de atos como o que aconteceu em Suzano são frequentes, mas esse tipo de massacre é relativamente raro no Brasil. Quando acontecem, porém, parecem sempre ter ligação com o submundo dos chans.

Wellington Menezes de Oliveira, o rapaz que matou 13 pessoas dentro de uma escola em 2011, no que ficou conhecido como Massacre do Realengo, tinha contato com Marcelo Valle, o troll misógino que foi condenado a 41 anos de prisão por terrorismo, racismo e pedofilia. Valle é fundador do fórum que tenta conseguir os créditos pelo atentado de Suzano e, mesmo preso, segue sendo cultuado por seus membros.

Em junho do ano passado, André Luiz Gil Garcia, um usuário conhecido do fórum, assassinou uma mulher e em seguida se suicidou em Penápolis, interior de São Paulo. André não tinha qualquer relação com a vítima. Depois do ato, passou a ser considerado um mártir nos chans.

O ex-deputado Jean Wyllys também foi alvo de um ‘lulz’. Quando ele anunciou que ia desistir do mandato de deputado federal por conta de ameaças a sua vida, no dia 24 de janeiro, membros do fórum comemoraram. O anúncio, porém, não fez com que Wyllys parasse de receber ameaças. Cinco dias depois, em entrevista ao jornal O Globo, ele afirmou que continuava sendo intimidado.

A reação no fórum eliminou qualquer dúvida de que era dali que elas partiram. “Já saiu no Jornal o Globo a nova ameaça contra a bicha, foi nego daqui né?hue”, disse um dos frequentadores da página. “Nosso primeiro LULZ. Parabéns aos envolvidos”, respondeu outro.

Kit para infernizar a vida dos outros

Além do espaço para os posts, os grupos também oferecem serviços – um deles é um dossiê com informações pessoais sobre qualquer pessoa. O “dox” tem nome, endereço, telefone, emprego e dados de familiares. A arma perfeita para infernizar, prejudicar e, em alguns casos, acabar com a vida de alguém.

Anunciado a princípio por R$ 40, o valor subiu para R$ 50 e hoje está em R$ 200, que podem ser pagos por criptomoedas. O pedido precisa ser feito por um e-mail que só pode ser acessado no Tor, navegador que mascara a localização da conexão para torná-la difícil de ser rastreada.

Embora tenha reflexos na vida fora da internet, os crimes cometidos em chans costumam ficar impunes. Investigar fóruns do tipo é difícil porque, em geral, eles são hospedados fora do país e é preciso que haja cooperação internacional para conseguir identificar os responsáveis. Falta braço e dinheiro para a polícia brasileira. “Sempre dá para chegar e identificar quem está por trás, mas isso leva tempo e custa dinheiro”, diz Marcelo Crespo, advogado que já defendeu uma cliente que sofria ameaças dentro de chans.

Com a ascensão dos crimes para ambientes de fora dos chans, no entanto, as autoridades são obrigadas a investigar o universo dos fóruns de ódio. O Ministério Público do Rio de Janeiro tem um inquérito sobre um chan, mas não deu detalhes sobre ele. Questionada, a Polícia Federal disse que não comentaria o assunto.

Notoriedade acima de tudo

Envolvidos ou não no caso de Suzano, fóruns de ódio só têm a ganhar com eventos desse tipo. É uma contradição: ao mesmo tempo em que sobrevivem do anonimato, eles dependem da repercussão de atos revoltantes como um combustível para aumentar a sua capacidade de chocar – e de recrutar membros. Taembém é um paradoxo difícil de resolver para jornalistas que tentam agir com responsabilidade (sim, existem alguns por aí apesar do sensacionalismo geral): como pressionar o poder público a tomar providências sem dar nome aos bois, sem falar dos chans? No Intercept, os editores  concluíram que não publicar nomes e fotos dos atiradores é o primeiro passo.

As décadas de massacres nos EUA já deram lições suficientes: o pior jeito de cobrir atentados do tipo é divulgando a imagem dos assassinos e as imagens de brutalidade contra os inocentes. A imprensa brasileira fez exatamente isso. Repetiu à exaustão imagens chocantes do ato do crime – vídeos que, além da TV aberta, também foram parar no ambiente incontrolável do WhatsApp.

Em coletiva de imprensa nesta tarde, o delegado geral da Polícia Civil, Ruy Ferraz Fontes, confirmou que o grupo se inspirou no massacre de Columbine e queria ganhar fama. É essa repercussão repulsiva que era o objetivo dos atiradores, e que pode, nos esgotos da internet, incentivar outras pessoas perturbadas a fazerem o mesmo. O jornalismo brasileiro já deu o que eles queriam.