opinião

O mão de ferro das Testemunhas de Jeová - Estevam Dedalus

Os casos de racismo contra negros são anteriores à época de Rutherford

Joseph Franklin Rutherford foi o responsável por uma mudança radical na história das Testemunhas de Jeová – que nessa época ainda se chamavam Estudantes da Bíblia. Sucedeu a Charles Taze Russel, fundador da religião, após a sua morte em 1917. Contam que foi um advogado rígido, de personalidade forte e autoritária, de pele branca, alto, voz rouca, e desde sempre envolvido em polêmicas. Segundo James Penton, autor do livro Apocalipse Adiado: A História das Testemunhas de Jeová, era um sujeito demasiadamente enérgico.

Autocrático com os amigos e inexorável com os adversários. Seu temperamento, de tal modo irascível, não surpreenderia ninguém se chegasse ao confronto físico por alguma questiúncula teológica. Como poderíamos esperar, não teve uma vida pública irrepreensível. Talvez seja o mais manifestamente “improbo” dos líderes da igreja. Durante o período em que esteve à frente da organização, viveu em condições nababescas e protagonizou escândalos. Partiu dele a ideia de construir uma mansão com dinheiro da igreja para supostamente abrigar os antigos patriarcas bíblicos: Jacó, Abraão e Moisés que, segundo ele, ressuscitariam em 1925. Não aconteceu, como é sabido, mas isso não impediu que vivesse o resto da vida no conforto daquela bela casa. Na década de 1920 protagonizou intensa campanha religiosa ao afirmar que milhões de pessoas que viviam naquele tempo jamais morreriam.

A transição de poder não foi nada tranquila. As disputas internas encarniçadas se somaram a duras perseguições do governo com a entrada dos EUA na Primeira Guerra Mundial. Rutherford chegou a ser preso em 1919 com outros membros da igreja sob a acusação de incentivar a deserção militar. O episódio foi o momento do ápice de instabilidade de seu poder. Isso não impediu que fosse reeleito na prisão. Rutherford questionou as orientações que Russell deixou a respeito da sucessão. A disputa seria resolvida através de eleição.

Antes de morrer, Russell escreveu um testamento que determinava a composição de uma comissão editorial
responsável por administrar as produções da Sociedade Torre de Vigia – entidade responsável, entre outras
coisas, pelas publicações das Testemunhas de Jeová. O testamento não foi respeitado por Rutherford e seus
asceclas que criaram uma comissão paralela que sairia vitoriosa na eleição.

Como se não bastasse, empreendeu uma política de perseguição e expurgos de seus opositores que resultou num grande cisma. Progressivamente aumentou o sectarismo da organização e suprimiu, um por um, seus mais destacados elementos democráticos, estabelecendo uma espécie de teocracia. Os anciões congregacionais perderam a autonomia e deixaram de ser eleitos, passando a ser escolhidos diretamente pela Sociedade Torre de Vigia. Houve uma época em que eles podiam discordar de alguns ensinamentos e, se desejassem, podiam também abrir novas eclésias filiadas aos Estudantes da Bíblia, sem que isso resultasse em expulsão da organização.

Rutherford tinha posições ambíguas em relação a negros e judeus, era às vezes racista, às vezes tolerante, e não disfarçava uma certa misoginia. Penton não deixou de observar a sua aversão às feministas e a maneira rude e fria como tratava a sua esposa. Chegou a defender publicamente que os homens não devem se “rebaixar” fazendo qualquer ato de consideração às mulheres, como tirar o chapéu na presença delas. Dizia que o Dia das Mães era um artifício caviloso inventado por feministas endemoniadas.

Os casos de racismo contra negros são anteriores à época de Rutherford. Charles Russell, no passado, viu na cor negra sinais de corrupção e corroborou a ideologia da superioridade intelectual caucasiana em artigos que escreveu. Na revista A Sentinela, de 15 de junho de 1905, colocou dúvidas na negritude de Cam e Canaã, exaltando uma suposta superioridade branca. Acreditava que os negros que lograssem a salvação acabariam livres do flagelo da cor e se tornariam brancos.

A vitória de Rutherford significou o estabelecimento de um governo teocrático, centralizado e autoritário. Esse novo sistema administrativo criou os congressos de zonas – que compreendia um conjunto de congregações – como forma de exercer um controle maior sobre o “rebanho”. Na visão de Penton – a qual endosso – esse sistema criou uma hierarquia, guardadas as proporções, semelhante à da Igreja Católica. Com a distribuição de poder entre servos tal qual entre acerbispos, bispos e padres.

Na medida em que o tempo passava, as pessoas de mentalidade mais livre foram abandonando a organização. Tornaram-se raras no final da década de 1930. Qualquer discordância é desde então suprimida e os opositores estigmatizados como semeadores de apostasia são expulsos. A tendência foi o surgimento de um massa homogênea de seguidores, extremamente fiel e crédula. A autoridade central se tornou inquestionável.

Fonte: Estevam Dedalus
Créditos: Estevam Dedalus