análise

CPMI da JBS deve se transformar em palco de vingança dos parlamentares

Comissão passou agora a ter poderes além das habituais prerrogativas de quebra de sigilos

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) criada no Congresso para investigar a JBS deve se transformar num palco de vingança contra os delatores Joesley Batista e Ricardo Saud, e também contra o ex-procurador Marcelo Miller e o procurador-geral Rodrigo Janot, que denunciou diversos deputados e senadores agora ansiosos para dar o troco. Um fato novo dá força a esse discurso: a comissão passou agora a ter poderes além das habituais prerrogativas de quebra de sigilos e convocações.

A partir de agora, os parlamentares poderão solicitar ao juiz competente medidas cautelares contra pessoas suspeitas, incluindo prisões e apreensões. O trecho foi incluído na lei há apenas nove meses, e foi proposto em 1996 pelo senador mato-grossense Júlio Campos, do antigo PFL, hoje DEM. A tramitação, que levou 20 anos, já teve como relator o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso em Curitiba, que se manifestou favorável à proposta. A lei vigente até o ano passado sobre CPMIs era de 1952, ainda do governo Getúlio Vargas.

A despeito do clima revanchista que tomou conta do Congresso, ministros do Palácio do Planalto alegam querer uma “ação cirúrgica” na comissão. Há um temor no governo de que a comissão seja usada para pressionar empresas e agentes econômicos e que isso mexa com os brios do mercado financeiro e do setor produtivo. Nas últimas CPIs que envolveram investigação de empresas, como a da Petrobras e a do Carf, houve relatos de pressões e tentativa de achaques por parte de parlamentares.

— Temos que fazer algo muito cirúrgico para não agitar o país e cair em algo que não seja inteligente — afirmou ao GLOBO um ministro de Temer.

Interlocutores do Planalto admitem, no entanto, a intenção de convocar Miller a dar explicações e também já articulam o pedido de quebra dos sigilos bancário e telefônico do escritório Trench, Rossi e Watanabe, que negociou o acordo de leniência da JBS.

Também deve ser chamado a dar explicações aos políticos o próprio Rodrigo Janot, algoz de metade boa parte do Parlamento. Ansiosos pela saída do procurador-geral do cargo, que no dia 18 de setembro volta à planície e será um cidadão comum, políticos de vários partidos, sob o argumento de terem sido expostos e humilhados, já cogitam processar o procurador-geral quando ele deixar o mandato.

— O que tem de gente que foi exposto por ele, que ficou execrado e depois arquivou.. como fica isso? tem danos morais, uma série de coisas. Tem muita gente esperando a hora certa para ir em cima do Janot — disse uma pessoa próxima ao presidente.

A expectativa do governo é que a Comissão feche o cerco sobre Janot e esclareça várias dúvidas que “estão no ar”. Além da atuação de Marcelo Miller, o Planalto quer entender a suposta participação na delação da JBS do chefe de gabinete do procurador-geral, Eduardo Pellela, e do procurador Anselmo Lopes, coordenador das investigações da Operação Greenfield.

— Há muitos pontos de interrogação que a CPI pode esclarecer, como as condutas do Miller, do Anselmo e do Pellela — disse um auxiliar do presidente.

Governistas dizem querer uma ação cautelosa na comissão, mas admitem que ela servirá a seus interesses: tentar fazer com que as investigações da reviravolta no caso JBS sejam efetivas. Temer tem alegado que Janot não tem a independência necessária para tocar investigações no Ministério Público. Nesse cenário, o próprio anúncio de uma provável revisão do acordo com os delatores é visto como um ato preventivo de Janot para que a sucessora, Raquel Dodge, não abra sindicância e faça apurações mais rigorosas que possam complicar o procurador.

Um assessor do presidente Michel Temer avalia que a denúncia apresentada pelo procurador-geral contra a cúpula do PMDB no Senado deve acirrar ainda mais os ânimos no Congresso.

— Uma CPI costuma investigar algo que não diz respeito diretamente aos deputados e senadores. Petrobras, CBF… Agora, não. Desta vez, vários parlamentares da comissão já sofreram na mão de Janot — conta esse assessor.

Até o início da noite de ontem, mesmo sem um relator definido, a CPMI já havia recebido 100 requerimentos, especialmente de convocação de Joesley e Saud, e de autoridades, como Janot, o ex-procurador Marcello Miller, a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os ex-ministros da Fazenda Antônio Palocci e Guido Mantega.

Parlamentares solicitaram ainda convocações para o operador e delator Lúcio Funaro e o ex-deputado Eduardo Cunha. Também estão na lista o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, e os antecessores Luciano Coutinho, Maria Silvia Bastos Marques e Demian Focca.

A Comissão quer investigar irregularidades na relação entre JBS e BNDES entre 2007, quando Luciano Coutinho assumiu o BNDES, no segundo governo Lula, e 2016. O presidente do colegiado, senador Ataídes Oliveira (PSDB-GO), também analisará pedidos de informações e outras providências a órgãos públicos como Petrobras, Banco Central, Receita Federal, Ministério Público Federal e Tribunal de Contas da União.

A despeito de reunir membros do Poder Legislativo, as Comissões Parlamentares têm poderes de investigação “próprios das autoridades judiciais”. Além da possibilidade recente de requerer medidas cautelares — como prisões e apreensões —, o colegiado está autorizado a quebrar sigilos bancário, fiscal e de dados. A escuta telefônica, contudo não é permitida. Na prática, os parlamentares podem ter acesso a registro de ligações e mensagens, extratos bancários e declarações de imposto de renda, por exemplo.

Para solicitar uma medida cautelar ao juiz competente, a comissão deve aprovar o pedido. Em seguida, o presidente deverá encaminhar o requerimento ao Poder Judiciário. Apesar de a novidade de dezembro do ano passado dar mais força ao colegiado, na justificativa da proposição em 1996, o senador Campos argumentou que visava a “demarcar convenientemente a competência” da comissão, “não podendo esta imiscuir-se em área que diz respeito exclusivamente” à Justiça.

Fonte: O Globo