'Bom seria se o estado fosse laico' - Por Alex Solnik

Zica e casos de microcefalia reacenderam o debate sobre aborto

gravidez zica“O Estado secular deve garantir e proteger a liberdade religiosa e filosófica de cada cidadão, evitando que alguma religião exerça controle ou interfira em questões políticas”.

Essa é a definição clássica de estado laico. De onde se conclui que, apesar de estar escrito na constiuição que o Brasil é um país secular ou laico, no dia a dia não o é. A constituição é rasgada diariamente, sem que as instâncias que zelam pela aplicação correta de seus pressupostos ajam para resguardá-la. Ao contrário: fazem a mais sonolenta cara de paisagem.

Se fosse laico de fato, o estado brasileiro não deveria permitir, para começo de conversa, a formação de partidos políticos religiosos, tal como acontece, o que originou a criação, em todas as instâncias legislativas, como na Câmara dos Deputados, de “bancadas evangélicas”.

Não são bancadas formadas por deputados que têm  religião evangélica, mas sim grupos que fazem proselitismo da sua religião na casa das leis que definiu o país como estado laico, tentando impingir as suas crenças aos demais e influindo dramaticamente nas decisões políticas mais fundamentais que afetam todos os brasileiros, evangélicos ou não. A simples existência desses partidos e dessas bancadas é uma ofensa à constituição que as autoridades juram obedecer.

O exemplo mais dramático é o atual. No momento em que grávidas correm grande risco de gerarem bebês com microcefalia se forem contaminadas pelo mosquito aedes egypti e até a ONU recomenda aborto para grávidas contaminadas pelo zika vírus, as brasileiras, que são as maiores vítimas desse mal  em todo o mundo não podem abortar porque a bancada evangélica não permite que o estado brasileiro adote a prática, tal como já foi adotada em muitos países, inclusive Portugal, a partir de 2007.

Salta aos olhos que essa é uma questão para a medicina tratar e não a religião, e, no entanto, somos reféns de conceitos das cavernas, sendo o principal o de que ao abortar a mulher estaria matando uma vida, o que é mais uma mistificação, pois é impossível matar alguém que nem nasceu. É mais factível acreditar que religiosos que condenam o aborto estejam mais preocupados com a supressão de futuros fiéis, com microcefalia ou sem.

O governo brasileiro, que deveria proteger os cidadãos que não professam essa religião, como está na constituição, faz o oposto, submete-se a ela diante da chantagem de perder votos se não o fizer e por consequência também obriga todos os cidadãos brasileiros a seguirem orientação religiosa que não é a deles, violando flagrantemente a liberdade individual e, o que é mais grave, a constituição brasileira.

Outro caso em que o estado mais uma vez esquece que é laico é o das TVs por assinatura. Em qualquer pacote que o telespectador adquire ele é obrigado a levar, queira ou não, por força da obrigatoriedade da lei das comunicações, suponho, uma dezena ou mais de canais que fazem proselitismo das religiões evangélica e católica, desrespeitando budistas, muçulmanos, judeus e ateus que são obrigados a pagar por canais que nunca vão assistir porque sua religião é outra ou nenhuma.

Ou o estado brasileiro é laico e a legislação sobre aborto não tem que ser submetida  a autoridades religiosas e sim científicas, o mesmo devendo acontecer com assinaturas de TV, que não podem contemplar programação compulsória de caráter religioso  ou, a continuar como está, a violação ao artigo 19 inciso primeiro segundo o qual “é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas”, o que caracteriza um estado leigo, vai continuar.

Fonte: Brasil 247