a história se repete?

Bolsonaro e Tancredo: cirurgias em meio a um roteiro de posse no poder - Por Nonato Guedes

Até a última hora, Tancredo tentou esconder de familiares, amigos e, sobretudo, da imprensa, os problemas de saúde que vinha enfrentando.

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) decidiu que somente após tomar posse no cargo irá se submeter à cirurgia para retirada da bolsa de colostomia que passou a usar desde que foi atacado a golpes de faca durante evento da campanha eleitoral em setembro, na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. Diferentemente de Bolsonaro, o presidente Tancredo Neves, eleito pelo colégio eleitoral indireto mas com apoio de parcelas da sociedade em 1985, causou comoção na noite do dia 14 de março, véspera da sua investidura no poder, quando foi internado às pressas no Hospital de Base de Brasília, aparentemente vítima de infecção que com os dias foi se agravando e que ocasionou a sua morte no dia 21 de abril, depois de passagens por hospitais de São Paulo. O diagnóstico médico oficial apontou como causa diverticulite aguda, com septicemia generalizada. Tancredo não queria se submeter a intervenções cirúrgicas antes de tomar posse. Ponderava que não queria decepcionar delegações estrangeiras que já estavam chegando para a festa de reencontro com a democracia – afinal, sua eleição simbolizou a instauração da Nova República, com a saída de cena dos militares que governaram o país por 21 anos.

No lugar de Tancredo, foi empossado o vice escolhido no Colégio Eleitoral – José Sarney, que acabou se efetivando no mandato diante da morte do político mineiro. Até a última hora, Tancredo tentou esconder de familiares, amigos e, sobretudo, da imprensa, os problemas de saúde que vinha enfrentando. O jornalista Antônio Britto, da Rede Globo de Televisão, havia sido indicado Secretário de Imprensa do Palácio do Planalto – acabou fazendo o papel de porta-voz das trágicas notícias sobre o estado de saúde de Tancredo. O presidente eleito havia dito a Britto: “Vamos sofrer juntos”. Também confidenciou-lhe: “A esta altura da vida e ao ponto onde cheguei, eu só tenho uma coisa a ganhar, Britto: preciso fazer um governo digno. Nós precisamos fazer um governo digno”. Além dos médicos, ninguém, a não ser o filho Tancredo Augusto, o sobrinho Francisco Dornelles e o neto Aécio Neves sabiam da real extensão da doença. O doutor Pinheiro Rocha, que cuidava de Tancredo junto com o doutor Renault Matos Ribeiro, na fase preliminar, foi quem comunicou à dona Risoleta Neves, a mulher que seria a primeira-dama do país, a gravidade do quadro do marido. Em seguida, teve este diálogo com Tancredo:

– Presidente, o senhor está com um quadro de abdômen agudo cirúrgico. Não é possível saber o que é exatamente sem se fazer a cirurgia.
– Dr. Pinheiro, me traduza o que é isso.
– O senhor deve ser operado imediatamente. O quadro é de extrema gravidade.
– O senhor precisa saber que até o dia 17, às 5 da tarde, eu não posso me submeter a essa cirurgia. O senhor já imaginou o que acontecerá neste país com todas estas representações estrangeiras, com tudo o que está acontecendo, se eu for operado agora?
– Presidente, lamento ter colocado a mão em sua barriga. Eu sou cirurgião e a partir de agora tenho esta responsabilidade. O senhor tem que se operar.

Já não havia muito o que fazer – e tudo foi feito. A morte de Tancredo Neves gerou uma sensação de orfandade em todo o país e de incerteza quanto aos rumos do governo e da própria democracia. Sarney exerceu o mandato – ganhou mais um ano na presidência, através de manobras junto ao Congresso Nacional. Foi do céu ao inferno – usufruiu de popularidade nuncavista ao deflagrar o Plano Cruzado, que congelava tarifas públicas e teve como aliados cidadãos comuns que chegaram a fechar supermercados identificando-se como “fiscais do Sarney”. O Plano começou a fazer furos, Sarney perdeu o controle da situação, a inflação atingiu níveis estratosféricos. Ele deixou o cargo com um dos mais altos índices de rejeição popular, e chamado pelo presidente eleito Fernando Collor de Melo de “batedor de carteira”.

Fonte: Nonato Guedes
Créditos: Nonato Guedes