reforço na católica

Questão de padres casados ganha impulso sob papado de Francisco

Pontífice tenta diminuir queda no número de sacerdotes e alocação deles para locais como a Amazônia

Francisco segura o solidéu com as duas mãos

Enquanto o Vaticano enfrenta o crescente escândalo de abusos sexuais do clero e a redução do número de padres em todo o mundo, está depositando as fundações para iniciar uma discussão formal sobre uma questão que é um antigo tabu: abrir o sacerdócio para homens casados em partes do mundo onde o clero é escasso.

O papa Francisco convocou uma reunião de bispos sul-americanos para o próximo ano, para discutir as dificuldades da Igreja Católica na Amazônia, um vasto território servido por muito poucos padres. Durante esse sínodo, a questão de ordenar homens casados de virtude comprovada —os chamados viri probati— deverá estar na agenda.

Nesta semana, um documentário de duas horas na televisão italiana deverá contribuir para o debate. “A Escolha: Padres e Amor” traz o perfil de mais de uma dúzia de homens em quatro países europeus que vivem clandestinamente com mulheres, ou criaram suas próprias comunidades eclesiásticas não sancionadas, onde padres casados oficiam a missa, ou deixaram a Igreja Católica para se casar.

O documentário, que será transmitido na quarta-feira (24) no canal Discovery Italia e que foi visto antecipadamente pela Associated Press, defende a tese de que muitos desses homens gostariam de retornar ao sacerdócio e oferecer seus serviços pastorais.

Sua dificuldade encontrou um ouvido simpático em Francisco, que há muito manifestou a disposição a considerar viri probati para enfrentar as necessidades pastorais na Amazônia. Ele também expressou simpatia pelos padres que fizeram a escolha angustiante de sair.

A associação italiana Vocatio, formada por padres casados, escreveu a Francisco no início deste mês professando sua solidariedade enquanto ele enfrenta as consequências globais do escândalo de abusos sexuais, e mais uma vez oferecendo seus serviços no ministério.

“Gostaríamos que o senhor levasse em consideração —sem preconceito ou falsidade— a oportunidade de nos permitir uma presença ativa na atividade diocesana, diante de nossa experiência e competência nos sacramentos que vivemos: ministério e matrimônio”, escreveu o grupo.

O chefe do Vocatio, o ex-padre Rosario Mocciaro, que se casou no civil em 1977, calcula que haja cerca de 5.000 homens só na Itália que deixaram o sacerdócio, um terço dos quais gostaria de voltar ao ministério casados, se for permitido. Ele disse que tem esperança no progresso sob Francisco e alguns bispos simpáticos, porque eles trouxeram um novo ar e atmosfera ao velho problema.

“A possibilidade de ter viri probati seria uma grande abertura, um grande passo à frente”, disse Mocciaro à AP, acrescentando que começaria a sensibilizar a igreja e a opinião pública para a perspectiva de um sacerdócio casado ou celibatário.

O celibato sacerdotal é uma tradição no rito latino da Igreja Católica desde o século 11; nenhuma doutrina o exige, e muitas Igrejas Católicas do rito oriental permitem que homens casados sejam ordenados.

Além disso, a Igreja Católica permite que clérigos casados da Igreja Anglicana que se convertam ao catolicismo continuem no ministério sacerdotal.

Francisco diz há muito tempo que aprecia a disciplina do celibato, mas que pode mudar, já que é uma disciplina, e não uma doutrina.

O primeiro papa latino-americano da história esteve especialmente atento ao argumento em favor dos viri probati na Amazônia, onde os fiéis, na maioria indígenas, podem passar meses sem ver um padre, e onde as igrejas protestantes e evangélicas estão atraindo as almas católicas.

Embora a situação seja especialmente grave lá, de modo geral o número de padres em todo o mundo caiu por mais um ano consecutivo —687 a menos, chegando a 414.969—, enquanto a população católica global cresceu 14,25 milhões, segundo números recentes do serviço missionário do Vaticano, Fides.

Abrir o sacerdócio a homens casados, mesmo em lugares limitados e localizados, abriria a questão de prover financeiramente às famílias dos padres —despesa há muito citada como um dos principais motivos da imposição do celibato no século 11: a igreja não queria que seus bens passassem aos herdeiros dos padres.

A questão de sustentar os filhos dos padres, porém, já está na agenda do Vaticano e em conferências episcopais e ordens religiosas em todo o mundo, dados os casos de padres que violam o voto de celibato e têm filhos em segredo.

Um psicoterapeuta irlandês e filho de um padre, Vincent Doyle, fundou a organização online Coping International, que oferece ajuda a filhos de padres. Estes muitas vezes sofrem depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental atribuídos ao silêncio imposto pela igreja.

Doyle pediu com sucesso ao Conselho Pontifício para Proteção de Menores —sua comissão assessora sobre abuso sexual, escolhida a dedo— que considere a questão dos filhos de padres como parte de seu mandato, já que alguns deles nasceram de mães menores de idade.

“Nossa expectativa é que a partir desse processo surjam iniciativas capazes de contribuir para a cura dos impactados por esse problema”, escreveu Neville Owen, um membro da comissão que dirige seu comitê sobre diretrizes.

Fonte: Folha
Créditos: Folha