Não era como imaginava: cresce número de brasileiros que pedem ajuda para voltar de Portugal

Pessoas caminham no centro de Lisboa

 

Após perder o emprego em Pernambuco, o engenheiro civil Daniel (o nome foi alterado a pedido dele), 32, decidiu fazer o mesmo caminho de pelo menos 85 mil brasileiros que, atraídos pelas perspectivas de estabilidade financeira e de segurança, adotaram Portugal como casa. Mas as coisas não saíram como ele imaginava. “Você lê muita coisa por aí e vê tanta gente vindo, que acredita que vai ser fácil. Mas a realidade é diferente”, disse ao UOL.

Sem conseguir exercer a profissão e com dificuldades até para comprar comida, Daniel prepara-se para integrar outra estatística, também em expansão: a de brasileiros que pedem ajuda para voltar para o país de origem.

Nos últimos cinco anos, o Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração (Árvore), ligado à Organização Internacional para Migrações (OIM) e ao governo português, financiou a viagem de volta de 1.639 brasileiros.

Apesar de corresponder a 20% dos estrangeiros morando em Portugal, os brasileiros respondem por 86% dos pedidos de auxílio para voltar para casa. Após ter o benefício concedido, o imigrante fica impedido de entrar em Portugal por três anos.

Em 2013, no auge da crise econômica portuguesa, registrou-se pico de concessão desse tipo de ajuda para brasileiros: 593 viagens pagas. O número diminuiu nos anos seguintes, mas, de 2017 para cá, mostra tendência de aumento: foram 222 embarques de janeiro a junho de 2018, aproximando-se dos 232 retornos financiados em todo ano passado.

Na reunião da OIM em Lisboa em que a reportagem esteve presente, a maioria dos participantes se recusou a dar entrevista.

Ninguém quer falar do sonho que não deu certo

Daniel, 32 – que concordou em contar sua história, mas pediu para ter o nome alterado

OIM / Reprodução

Funcionária da Organização Internacional para as Migrações (OIM) dá orientação em aeroporto português

O Brasil redescobre Portugal

O bom momento vivido por Portugal e a crise econômica que se arrasta no Brasil fizeram da terra de Fernando Pessoa uma espécie de Eldorado no imaginário dos brasileiros.

De 2016 para 2017, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras concedeu mais de 4 mil novas autorizações de residência para brasileiros, que já somam mais de 85.426 no país — a maior comunidade estrangeira.

O número ainda é menor do que o registrado em 2014, quando a comunidade brasileira passava de 87 mil pessoas, mas chama a atenção pela tendência de crescimento, após anos de retração.

Além disso, estima-se que a população brasileira em Portugal seja ainda maior: há ao menos 2 mil no país com passaporte italiano, contingentes não contabilizados de brasileiros com outros passaportes europeus e ainda os imigrantes ilegais. São pessoas que entraram com visto de turista, válido por 90 dias, e não foram embora, como é o caso de Daniel.

Sem visto de residência, o engenheiro só conseguiu trabalho como entregador de pizza ou vendendo pacotes de TV a cabo de porta em porta. Não tinha salário fixo, só a promessa de receber comissões que nunca chegavam.

“Falta até para comer, que dirá o aluguel. Por isso resolvi procurar o programa [de retorno voluntário]”, diz.

Há pouco mais de um ano em Portugal, agora Daniel espera terminar o processo junto à OIM para retornar ao Brasil.

Passagem e 2.000 euros para recomeçar a vida

Histórias como as de Daniel são comuns nas reuniões informativas do programa Árvore. A maioria dos participantes são brasileiros – que têm facilidade para entrar na Europa, uma vez que não é preciso tirar visto antes de embarcar.

“Têm-se registrado mais pessoas a pedir apoio após uma estadia curta, motivados pela dificuldade em regularizar a situação, pelo desemprego, ou trabalho precário associado, e consequentes dificuldades de subsistência no país. A grande maioria possuía um nível de escolaridade médio”, afirmou Patrícia Cunha, assistente de projeto da OIM Lisboa.

O programa auxilia na regularização de documentos de viagem, dá a passagem de volta e 50 euros (equivalente a R$ 220) para despesas durante a viagem. A iniciativa também ajuda a pessoa, já de volta no seu país de origem, a se inserir no mercado de trabalho, financiando cursos técnicos. É possível também solicitar uma verba de 2.000 euros (R$ 8.700) para iniciar um novo negócio.

“A falta de informação e planejamento é a principal causa para a vulnerabilidade econômica e até psicossocial das pessoas que chegam à OIM. Muitos vêm a Portugal com passagem de volta para uma semana, mas [quando querem voltar ao Brasil] não é possível ou é muito caro reagendar”, diz Cunha.

De volta para casa

Vivian e Odirlei Domingues, ambos de 38 anos, já utilizaram o programa. O casal retornou para Mauá (SP), em junho do ano passado.

“Meu marido não conseguiu arrumar emprego fixo e salário bom. Ele foi com uma vaga de lavador de carro e, no futuro, pegaria um contrato para se legalizar”, conta Vivian.

Mas o plano não funcionou e Odirlei, com nível superior e uma carreira de analista financeiro, também trabalhou na limpeza de uma academia. Ainda assim, a conta não fechava.

Vivian também lavou carros e trabalhou como recepcionista, mas parou para cuidar do filho do casal, à época com um ano e meio. Ela diz não se arrepender da experiência, mas desaconselha aqueles que querem tentar a sorte sem os devidos vistos.

Fui muito explorada por não ter documentos. Hoje dou valor aos mínimos detalhes. No Brasil, tinha emprego, apartamento e família, mas não dava valor. Quando migrei passei muitas privações desnecessárias