sedação consciente

'MINHAS MEMÓRIAS SÃO ANGUSTIANTES': mulher acorda na mesa de operação

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O médico aumentou a dose do meu sedativo e sucumbi à doce escuridão.

Mas, então, algo deu errado e acordei antes da hora, comecei a me mexer e a chorar, a equipe médica lutando para manobrar o tubo colocado na minha garganta, no que deveria ter sido uma simples gastroscopia.

Eu me debati vigorosamente sobre a mesa: engasgada e asfixiada, tentando gritar, lutando para arrancar o dispositivo do meu esôfago.

“Segure os braços dela!”, ouvi alguém gritar. Senti as lágrimas quentes e o puro terror… e, depois, mais escuridão.

Essa era a terceira vez que eu acordava da anestesia crepuscular, conhecida como “sedação consciente”.

“Você vai estar acordado, mas não vai se lembrar” é algo que milhares de pacientes ouvem todos os dias, porque os sedativos que os médicos usam para nos preparar para esses tipos de procedimentos vêm com um efeito colateral conveniente: a amnésia.

Eu havia tomado midazolam, um benzodiazepínico conhecido por seus poderosos efeitos amnésicos. Eu deveria ter esquecido, mas isso não aconteceu. Ao contrário, o pânico que se seguiu ficou marcado em minha memória.

Um sentimento terrível de estar perdida me envolveu nos dias seguintes, enquanto revivia o procedimento médico registrado por meu cérebro, não por acaso, como um ataque físico.

O que deu errado?

Meus dois episódios de sedação consciente anteriores não me deixaram tão aterrorizada quanto esse último. Eles nem sequer me pareceram incomuns, pois me disseram que eu não estaria totalmente adormecida.

No primeiro, acordei durante uma cirurgia no tendão do dedo ao som de uma haste de metal sendo martelada na minha articulação. Acho que não falei nada, nem sequer abri os olhos. Não senti dor, nem medo. Simplesmente senti um fascínio curioso pelo que estava acontecendo.

Meu segundo despertar foi durante uma bizarra colocação de marca-passo, quando abri os olhos e descobri que meu rosto estava coberto com o que achei ser um avental hospitalar azul. Havia uma luz forte brilhando através do tecido e, embora eu não sentisse dor, me assustei com a vibração estranha no peito, quando o dispositivo estava sendo testado. Comecei a chorar incontrolavelmente, o peito arfando, lágrimas correndo pelo rosto e entrando na orelha. “Você está sentindo dor?”, o cirurgião continuou perguntando, e eu disse que não. “Sou só muito emocional”, lembro-me de ter dito. Mas o medo logo diminuiu.

Foi apenas o terceiro despertar que me deixou assombrada por lembranças e pesadelos. O que deu errado?

Logo aprendi que sou parte de uma pequena porcentagem de pessoas que se lembra das experiências durante a sedação consciente. Apenas três em cada dez mil pessoas relatam a “consciência indesejada” durante esse tipo de anestesia, um número ligeiramente maior que os dois em cada dez mil pacientes que relatam isso durante a anestesia geral, de acordo com um estudo liderado pelo dr. George Mashour, neuroanestesiologista da Universidade de Michigan e um dos especialistas mundiais em consciência anestésica. Embora alguns pacientes esperem, ou até queiram, estar acordados durante certos procedimentos, especialmente colonoscopias, “não acho que os médicos queiram alguém aterrorizado ou com dor”, disse Mashour.

Mas acontece.

Sua pesquisa, utilizando o Registro de Consciência Anestésica da Sociedade Americana de Anestesiologistas, um registro voluntário de pacientes com memórias sob sedação consciente ou anestesia geral, mostrou que 78 por cento dos que relataram essa consciência sentiram aflição, e 40 por cento tiveram sequelas psicológicas de longo prazo, incluindo o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

Tem havido uma extensa pesquisa e um debate sobre como prevenir esses episódios, conhecidos como “consciência anestésica”, em caso de anestesia geral. Mas se conhece menos ainda seu efeito sobre as pessoas submetidas à sedação consciente, procedimento que está crescendo em popularidade e que, segundo previsões, responderá pela metade de todas as administrações de anestesia nos Estados Unidos daqui a 10 anos.

Muitas vezes não exigindo um anestesiologista nem uma sala de cirurgia e nem mesmo um ambiente hospitalar, a sedação consciente está sendo cada vez mais usada em tratamento odontológico, cirurgia plástica, correção do ritmo cardíaco e muitos outros procedimentos realizados por uma variedade cada vez maior de médicos, incluindo anestesiologistas assistentes e enfermeiros anestesistas certificados.

Parte do problema é que não há uma definição precisa da sedação consciente, que envolve um coquetel de controle da dor, controle da ansiedade e amnésia em quantidades que podem variar entre pacientes, procedimentos e praticantes, diz o dr. Andrew Davidson, chefe de pesquisa em anestesia no Instituto de Pesquisas Infantis Murdoch, em Melbourne, Austrália.

“A sedação consciente tem um toque de arte. Algumas pessoas dizem que é realmente mais complicada de fazer do que a anestesia geral, porque é bem mais difícil determinar a concentração das drogas para obter exatamente o que você quer”, disse ele.

Em contraste com a anestesia geral, em que os objetivos são bem definidos – sem dor, sem consciência, sem memória -, a sedação consciente é meio que uma zona cinzenta, em que as fronteiras entre o consciente e o inconsciente são tênues, em que se espera que os pacientes, por vezes, estejam semiacordados e responsivos, e em que sua aflição poderia potencialmente ser ignorada, porque a amnésia logo se instala.

“Com a sedação consciente, acho que os médicos reconhecem que muitas vezes seus pacientes vão realmente se sentir angustiados, mas estão confiando no fato de que a maioria não vai se lembrar disso”, disse Davidson. Obviamente, esse não é o objetivo, acrescentou ele, “mas é difícil conseguir a dose certa”.

Como escreveu no “Journal of Medical Ethics”, “em muitos casos, o paciente vai se contorcer ou se mexer durante o procedimento – alguns podem até dizer que sentem dor, mas a grande maioria não se lembrará de nada”.

No meu caso, atormentada por minhas memórias angustiantes, descobri que sofria de transtorno de estresse agudo, uma forma transitória de TEPT. Falei com um terapeuta, procurei esclarecimento com meu médico e estou procurando maneiras de evitar uma experiência negativa na próxima vez.

Mas e se, como a maioria das pessoas, eu tivesse realmente esquecido meu pânico e minha luta na mesa? Eu poderia ainda ter experimentado os pesadelos e a ansiedade, sem explicação? E alguém com tendência à depressão ou à ansiedade avalia que seu problema começou com experiências de sedação esquecidas?

Há muitas evidências de que, mesmo sem uma memória explícita da cirurgia, os seres humanos podem formar memórias implícitas ou subconscientes enquanto estão anestesiados, disse o dr. Aeyal Raz, anestesiologista da Universidade de Wisconsin. “Há um traço do evento, ou uma memória, deixado no cérebro. No entanto, este não pode ser acessado com pensamentos conscientes, e a pessoa não se lembra do evento. Mas ele pode afetar sentimentos e comportamentos futuros.”

Jackie Andrade, psicóloga da Universidade de Plymouth, escreveu em uma revisão do tema: “A pesquisa em psicologia sugere que mesmo essa atividade rudimentar de memória pode ter efeitos profundos sobre o comportamento ou a emoção. Parece plausível que as experiências negativas durante a cirurgia podem reduzir o bem-estar dos pacientes na recuperação, mas é difícil provar isso.”

Mas Davidson acha que a evidência da memória implícita após a anestesia é “muito misturada, e é difícil dizer que há efeitos duradouros”.

Em um estudo, a equipe de Raz buscou a ligação entre consciência e formação de memória durante a anestesia e os sintomas psicológicos um mês mais tarde. “Os números são ainda muito pequenos para obter resultados conclusivos, por isso devo ter cuidado com a interpretação, mas tivemos alguns episódios de recordação, a maioria deles relacionada aos sintomas de estresse pós-traumático – principalmente ligados a problemas de sono – 30 dias depois”, afirmou. Ele conta que muitos outros pacientes estavam conscientes durante o procedimento – pediam-lhes que movessem o braço durante a cirurgia -, mas não se lembravam disso, e, entre esses pacientes, é muito cedo para dizer se há algum risco de TEPT.

“Quando falo com os pacientes antes de sedá-los, digo que vão estar acordados e poderão se lembrar ou não, embora a maioria não se lembre, e que estarei com eles, e que se sentirem dor ou desconforto poderão me dizer e então reforçarei a sedação ou o analgésico. Espero que isso lhes permita algum controle da situação e uma melhor compreensão, o que pode ajudar na prevenção da TEPT”, disse Raz.

Em um artigo no “Journal of Medical Ethics”, o professor Walter Glannon, especialista em ética biomédica e filósofo da Universidade de Calgary, explora a ideia de oferecer um antídoto para suavizar as memórias traumáticas. O propranolol, por exemplo, é uma droga que não induz a amnésia, mas pode amenizar o conteúdo emocional de uma memória, especialmente se administrada em até seis horas após a experiência traumática.

À medida que a popularidade da sedação consciente aumenta, a pesquisa continua. Mas o que ainda falta nessa questão são as histórias dos pacientes. Os peritos dizem que a grande maioria das experiências traumáticas durante a anestesia e a sedação tem uma maior probabilidade de nunca ser relatada, pois a situação é frequentemente efêmera e desconectada. Como um pesadelo do qual você não consegue se lembrar, mas que continua a incomodá-lo durante o dia.

Fonte: New York Times
Créditos: Kate Johnson