Futebol

Que Raí não vire Ceni - por Luiz Fernando Gomes

A decisão de Raí de aceitar o cargo de diretor-executivo do São Paulo, em uma primeira análise, é boa para o futebol brasileiro, carente de modernidade, para o clube, que precisa de gente como ele no comando e para o presidente Leco, que encontrou um nome capaz de passar bem por todas as áreas da conturbada política são-paulina. Mas é incerta para o próprio ex-jogador.

A decisão de Raí de aceitar o cargo de diretor-executivo do São Paulo, em uma primeira análise, é boa para o futebol brasileiro, carente de modernidade, para o clube, que precisa de gente como ele no comando e para o presidente Leco, que encontrou um nome capaz de passar bem por todas as áreas da conturbada política são-paulina. Mas é incerta para o próprio ex-jogador.

Raí, assim como Rogerio Ceni, é um símbolo de uma fase vitoriosa da história do Tricolor. Sua indicação foi saudada pela torcida. Como a de Ceni também foi naquele já longínquo dezembro de 2016. Ceni durou seis meses no cargo. Amargou eliminações sucessivas na Copa do Brasil, no Paulistão e, a última, na Sul-Americana para um inexpressivo Defensa Y Justicia que fazia sua primeira partida internacional em cem anos de fundação. Terminou seu mandato com a imagem de ídolo arranhada por um aproveitamento irrisório de 49,5% com 37 jogos, 14 vitórias, 13 empates, dez derrotas e o time na zona de rebaixamento do Brasileirão.

A culpa do fracasso foi toda de Rogério Ceni? Em boa parte, sim. Apesar de ter se apresentado com rara ousadia nos métodos de trabalho, convicções sólidas e propostas bem definidas de um futebol moderno, Ceni não conseguiu fazer com que o time correspondesse em campo às suas ideias. Talvez tenha pesado a inexperiência de um primeiro trabalho do outro lado do balcão. Mas enfrentou, e isso é inegável, pressões e dificuldades que vinham de fora de campo, como o entra e sai de jogadores – ao todo escalou 38 em seu time – e as intrigas e, não é errôneo dizer, sabotagens, de grupos rivais na política são-paulina, agravadas pela falta de sustentação de uma diretoria fragilizada. Certamente algo andou errado no CT da Barra Funda. Mas, também, nos gabinetes do Morumbi.

Vale lembrar o papel que teve à época o presidente Carlos Augusto de Barros e Silva. As declarações do mandatário após a demissão foram todas tentando se esquivar de culpa, jogando sobre o técnico toda a responsabilidade pelo momento crítico vivido pelo Tricolor. Como se – ainda que toda a culpa fosse de Ceni – não tivesse sido ele quem escolheu o ídolo para uma função que nunca havia exercido com promessas de que seria um trabalho de longo prazo, capaz de resistir à turbulência dos resultados e com carta branca para agir. Leco jogou Ceni às feras como se fosse mais um, sem história no clube.

Carta branca, aliás, é uma condição chave para que Raí não siga, na diretoria de futebol, o mesmo caminho de Ceni como técnico do time. Ao assumir o cargo, o irmão de Sócrates disse que recebeu do presidente a promessa de que teria autonomia para gerir o seu departamento. Certamente foi o mesmo que ouviu, em abril, seu antecessor, Vinicius Pinotti, que acabou se deparando com uma situação exatamente ao inverso, enfrentando o excesso de interferência de Leco que, ao menos segundo ele, inviabilizava negociações e atropelava decisões tomadas no futebol Tricolor. Resta saber se com Raí será diferente. E se ele terá o sangue frio e o jogo de cintura para brigar – e se impor – caso as coisas aconteçam de forma diferente.

A história de Ceni e Raí, assumindo funções nos clubes onde foram ídolos, obviamente não é única. Há exemplos bem-sucedidos, como o de Paulo Cesar Carpegiani que de jogador virou técnico e levou o Flamengo ao título mundial no Japão, ou, o mais recente e marcante de todos, o de Renato Portaluppi, único brasileiro a conquistar a Libertadores como jogador e treinador, campeão mundial pelo Grêmio e, agora, com a possibilidade de repetir a dose nos Emirados Árabes Unidos, em mais um torneio da Fifa. Mas também há fracassos como o de Falcão, pentacampeão gaúcho e tricampeão brasileiro no meio-campo do Inter, que teve seu prestígio arranhado após três passagens pelo Colorado como treinador, ou de Júnior, que ganhou quatro Brasileirões, Libertadores, Mundial e Copa do Brasil pelo Flamengo, mas não teve êxito dirigindo o time.

A torcida é para que tudo dê certo. Que a história de Raí – ele já teve uma passagem fora de campo no São Paulo – possa estar mais para Renato do que para Falcão, mais para Carpegiani do que para Júnior. Se for assim, vai ser bom para ele. Mas, e aí sim, vai ser bom de fato para o São Paulo e o futebol brasileiro.

Fonte: Lance!
Créditos: Luiz Gomes