relembre

VEJA VÍDEO: Atraso, quebra-quebra e pressão policial: a caótica 1ª turnê do Jackson 5 no Brasil

Os shows, que já estão com os ingressos à venda, vêm sendo divulgados como os primeiros no Brasil do agora quarteto. Mas a história não é bem essa.

De volta à ativa, os Jacksons anunciaram duas apresentações no Brasil no próximo mês de março: dia 16 em São Paulo (Espaço das Américas), e dia 19 em Porto Alegre (Auditório Araújo Vianna). Os shows, que já estão com os ingressos à venda, vêm sendo divulgados como os primeiros no Brasil do agora quarteto. Mas a história não é bem essa.

Dois anos antes de trocarem a Motown pela gravadora Epic, abandonando a alcunha Jackson 5, os Jacksons fizeram uma longa (e então rara) turnê de sete datas no Brasil. Aconteceu entre 13 e 22 de setembro de 1974. São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio e Brasília receberam a tumultuada e histórica excursão.

Reprodução
Reportagem na revista Hit PopImagem: Reprodução

Na época, primeiro ano do governo do Ernesto Geisel, Michael Jackson (1958-2009) tinha 16 anos e vivia uma fase de intensa transformação, da voz à persona artística. Com três álbuns solos lançado, ele era cada vez mais o centro das atenções de um dos grupos mais populares da história do soul, que na época chegou a ser comparado aos Beatles, ao menos em termos de histeria dos fãs.

A turnê foi viabilizada pelo então jovem empresário George Ellis, sócio da KEP Produções, que mais tarde catapultaria Ney Matogrosso ao sucesso. O investimento milionário feito na banda, que embarcava em sua primeira turnê fora dos Estados Unidos e Europa, acabou não dando lucro e, por pouco, não se transformou em um fiasco retumbante.

Houve problemas com jornalistas durante os shows, e questões técnicas e de logística quase resultaram em ferimentos graves e tragédia. Michael Jackson voltou duas vezes ao país (em 1993 para shows, e em 1996 para a gravação do clipe de “They Don’t Care About Us”), mas nem ele nem os irmãos jamais esqueceram da primeira vez.

Onde aconteceram

Os shows do Jackson 5 no Brasil foram agendados em grandes ginásios e em um estádio de futebol. Na época, em plena ditadura militar, shows internacionais eram exceção por aqui. Por causa disso, e da confusão generalizada que marcou a apresentação de Alice Cooper no ano anterior, a turnê foi marcada por forte aparato policial. Os shows aconteceram em cinco capitais brasileiras.

Em São Paulo (dias 13 e 14 de setembro), no Palácio de Convenções e no Pavilhão de Exposições do Anhembi –o segundo show, uma matinê para o público adolescente e infantil; em Porto Alegre (17), no ginásio do Internacional; em Belo Horizonte (18), no estádio Independência; no Rio (19 e 20), no Maracanãzinho; e em Brasília (22), no ginásio Presidente Médici, hoje Nilson Nelson.

Reprodução
Anúncio de show do Jackson 5 no Brasil publicado em jornaisImagem: Reprodução

Comitiva

Um dos pontos que mais chamaram a atenção da mídia brasileira: a grande comitiva do quinteto. Vinte e uma pessoas integravam a equipe da banda, entre músicos, seguranças equipe técnica e o restante da família, incluindo o pai e empresário Joe Jackson e Miss Rose Fine, tutora dos integrantes na época. Seis toneladas de equipamento importado do Reino Unido foram transportadas para o Brasil de avião cargueiro. Por decisão de Joe Jackson, a banda dispensou carros separados e preferiu viajar junta em ônibus.

Segundo a “Folha de S.Paulo”, eles desembarcaram sob forte esquema de segurança (foi assim durante toda a viagem) às 13h30 no aeroporto Viracopos, em Campinas, e só às 18h conseguiram se hospedar no Othon Palace Hotel, no centro de São Paulo. “O atraso deveu-se à burocracia existente em Viracopos e também à determinação do chefe de segurança do grupo que impõe aos músicos que andem juntos”, publicou o jornal na época.

Reprodução
Imagem: Reprodução

Coletiva tensa

Michael e os irmãos realizaram uma entrevista coletiva truncada com a imprensa brasileira. Segundo a “Folha”, bebendo refrigerantes, “os integrantes do grupo mostravam-se cansados e pediram que as perguntas fossem feitas rapidamente (…), deixando as mais difíceis para o pai”. Na turnê, Joe passou a imagem de manda-chuva severo e centralizador, que decidia cada passo dos filhos e, quando preciso, falava por eles.

Por causa disso, algumas perguntas dos jornalistas brasileiros causaram climão. Um deles chegou a comparar o mercado fonográfico internacional à máfia, irritando Jackson. “Eles não respondem a esse tipo de pergunta”. Quando questionaram Michael, estrela da trupe, sobre a diferença entre arte e comércio, Joe interrompeu rispidamente o filho para explicar que “todos estavam satisfeitos” com os rumos do grupo. Uma pergunta sobre a entrada de Randy Jackson, aos 12 anos, para suprir os vocais agora mais graves de Michael também incomodou a comitiva. “Entrou porque quis entrar”, disparou o patriarca.

Reprodução/Acervo O Globo
Ao lado do pai Joe Jackson (à esquerda), integrantes do Jackson 5 conversam com jornalistas brasileirosImagem: Reprodução/Acervo O Globo

Nasce uma estrela

Os shows do Jackson 5 no Brasil, que tinha pouca experiência em eventos de grande porte, não ocorreram como o esperado. O público, em maioria crianças e adolescentes, não chegou a encher todas as apresentações. Em Belo Horizonte, em dia chuvoso, o estádio Independência recebeu poucos fãs, o que frustrou produtores e empresários. Em São Paulo, o primeiro show terminou antes do previsto e o segundo atrasou 1h30. O pior: parte da imprensa brasileira se recusava a levar o Jackson 5 a sério, por ser “comercial” e direcionado demais. Mas a performance impecável de Michael, vista pela primeira vez in loco, fez muita gente mudar de ideia.

“Michael Jackson esteve um monstro em cena. A certa altura do espetáculo, a bateria começou a desabar, e o baterista simplesmente parou de tocar, o que aconteceu com o guitarrista, com o contrabaixista, organista e demais elementos do grupo, com exceção de Michael Jackson, que salvou a situação pegando um pandeiro, dando continuidade ao ritmo, e ao mesmo tempo dançando para desfazer aquele clima de tensão criado por seus próprios irmãos”, diz a reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” sobre o segundo show na capital paulista.

Reprodução
Jackson 5 em açãoImagem: Reprodução

Caos em Brasília

A última data da turnê, em Brasília, foi a mais caótica. O trajeto até a capital federal precisou ser feito de avião, e o voo com o equipamento não conseguiu chegar a tempo para o show, agendado inicialmente para 21 de setembro. O problema é que o anúncio do cancelamento foi feito com o público já presente no ginásio. Bastou o locutor dar o recado para a revolta e o caos se instaurarem. Os integrantes já estavam no local e tiveram de sair escondidos pelos fundos, mas parte da plateia flagrou o movimento. O que se viu, segundo Joe Jackson, foram cenas de selvageria.

“Mal tivemos tempo de pular dentro do ônibus. A multidão enfurecida quebrou tudo. As pessoas rodeavam o ônibus, empurravam e arremessavam o que tinham nem mãos. ‘Depressa, deitem-se e cubram a cabeça com as mãos’, gritei para os meninos. Os fragmentos de vidro quebrado voaram, e em poucos minutos, todas as janelas estavam quebradas. Por milagre, o motorista conseguiu atravessar a multidão furiosa sem esmagar ninguém. Por fim, ficamos livres na estrada, mas espectadores furiosos nos perseguiram por algum tempo. Deus seja louvado, saímos vivos”, escreveu Joe Jackson na época.

Com pressão do secretário de segurança do Distrito Federal, o coronel e futuro governador Aimeé Lamaison, o show precisou ser remarcado para ao dia seguinte e, dessa vez, ocorreu com tranquilidade. Músicas como “Never Can Say Goodbye”, “I’ll Be There”, “Superstition” e “Ben” levantaram os brasilienses e Michael e irmãos saíram ovacionados do palco diante de 25 mil pessoas.

Gravação na Tupi

Para divulgar a turnê inédita, a banda acertou a gravação de um especial na extinta TV Tupi, em São Paulo. Já líder de audiência na época, a Rede Globo não demonstrou interesse pelo projeto. Como a Tupi dispunha apenas de três câmeras coloridas, usadas em telenovelas e telejornal diário, a gravação acabou atrasando. “O time todo era disciplinado à beça.

A única exigência era que liberássemos o menorzinho até as 22h”, escreveu em seu blog o produtor Solano Ribeiro, na época diretor de programação da Tupi. Incomodada com o atraso, a juíza de menores americana que acompanhava a caravana começou a pressionar. Em inglês. Mario Araújo, na época assessor da presidência, chegou a levantar a possibilidade de que se usasse como referência o fuso horário de Los Angeles, com suas cinco horas de diferença. Por fim, chegou-se ao consenso de que a gravação deveria terminar preterivelmente até as 23h30.

Na Tupi, os integrantes tocaram ao vivo músicas como “Never Can Say Goodbye” e “Ben”. Apenas 1 minuto e 40 segundos do programa resistiu a um incêndio na emissora em 1978. O registro encontra-se na Cinemateca Brasileira junto a do restante do arquivo da emissora. O “Fantástico” exibiu as imagens raras em uma reportagem em 2009.

Fonte: UOL
Créditos: UOL