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Séries retratam prostitutas que trabalham por dinheiro, opção e prazer

Pelo depoimento de roteiristas e artistas que encamparam essas obras televisivas, suas histórias têm um pé na realidade

Os retratos recentes da prostituição brasileira feminina para a TV têm algo em comum. As protagonistas de “Rua Augusta”, que estreia nesta quinta (15) às 22h30 na TNT, e de “O Negócio”, que abre a quarta e última temporada no domingo (18) às 21h na HBO, gostam do que fazem.

Soma-se ao segmento Bruna Surfistinha, personagem central da série “Me Chama de Bruna” (Fox), cuja segunda temporada estreou no fim de 2017. Há praticamente um grupo de devotas pelo assunto.

Pelo depoimento de roteiristas e artistas que encamparam essas obras televisivas, suas histórias têm um pé na realidade, embora não contemplem um outro lado: as meninas que transam para ganhar o sustento por pura falta de alternativa não tiveram muito espaço aqui.

Mika, personagem central de “Rua Augusta” (Fiorella Mattheis), é uma exceção entre as prostitutas da rua Augusta, afirma Pedro Morelli, diretor da série da TNT ao lado de Fábio Mendonça.

Ele dá duas bases para seu argumento. Diz que frequentou a rua de baladeiros paulistanos, especialmente duas casas já extintas, o Studio SP e o Vegas (que nada tinham a ver com prostituição), e também foi a campo, em diversas ocasiões entre 2015 e 2017, para entender os personagens que compõem aquele cenário.

Sexo ao vivo 

“Por um lado você tem isso, de que a mulher pode fazer o que quiser com o próprio corpo e tal, e beleza. Só que, dependendo da forma como isso acontece, é degradante. São mulheres que estão ali e, se elas tivessem outras oportunidades, não estariam fazendo aquilo.”

Morelli também se recorda de um exercício documental sobre prostituição que realizou para a faculdade de cinema da USP há cerca de dez anos. “Entrei nuns dez ou 20 puteiros. Ali a gente perguntava história de vida, por que faziam aquilo. Era deprê. Tinha mulher que estava lá quase escravizada.”

A protagonista da série seria um desvio à regra. Ela tem uma jornada particular, ele conta, sua família tem dinheiro, e muito do mistério da série ronda as razões que a levaram à profissão.

Há um detalhe de que Mika foi criada em Israel: “Rua Augusta” é adaptação de “Allenby ST”, seriado que retrata uma rua de baladas de Tel Aviv.

Mais do que fornecer material para a criação da personagem, as imersões da equipe da série brasileira tinham como motivo compreender o ambiente e fazer um retrato realista dele. No meio do caminho, também acabaram vivendo seus conflitos.

Pegue-se o exemplo dessas duas versões para uma imersão em um show de sexo ao vivo, a de Pedro Morelli e a da roteirista Jaqueline Vargas (na ocasião também estava a coroteirista Ana Reber).

Vargas e Morelli deram seus depoimentos por telefone, separadamente, e o foco deles aqui era o conflito entre a suposta degradação humana sobre o palco e o entretenimento observado na plateia.

Versão 1, de Morelli: “estávamos sentados numa mesinha, tinha um potinho de amendoim na mesa, e as duas (roteiristas) começaram a comer. Eu então disse a elas: ‘pensa um pouco sobre esse amendoim aí’. Elas acabaram ficando com nojo. Foi muito engraçado isso”.

Versão 2, de Vargas: “eu nunca tinha visto show de sexo ao vivo, e aquilo me impressionou muito, como as pessoas ficavam comendo amendoim e batendo papo [enquanto assistiam ao show]”.

Baixo Augusta 

O retrato que a série faz da Augusta também apresenta um olhar direcionado, especialmente porque a rua que o paulistano conhecia há dez anos, hoje mudou com a especulação imobiliária.

“Antes, eu andava ela inteira, e ela era meio uniforme”, diz Morelli. “Agora só estão preservados os últimos quarteirões lá de baixo. Mais para cima, tem Burger King. É outra vibe, é outro público”, prossegue, referindo-se ao trecho da rua que se aproxima da avenida Paulista.

As externas do filme, ele conta, foram filmadas na parte mais baixa da rua, próxima ao centro. “Se você sobe um pouquinho, não tem enquadramento, já é outra vibe.”

O Café Photo, tradicional bar paulistano frequentado por prostitutas, tem mais a ver com “O Negócio” e com “Me Chama de Bruna”, e roteiristas e atores das séries deram uma esticada por lá. Explica-se: são obras televisivas cujas personagens investem na mesma clientela de alto padrão do local.

Na quarta temporada de “O Negócio”, Karin (Rafaela Mandelli) tenta expandir suas conquistas no ramo.Com um grupo de garotas, ela avançou progressivamente em suas estratégias nas últimas temporadas. Agora, quer construir um prédio dedicado à prostituição, e seus esforços se dirigem ainda à aceitação de familiares.

Notícias ao Minuto

Camila Raffanti, uma das roteiristas da série, conta sobre o outro lado da história, que é justamente a pesquisa da equipe de criação junto à clientela. Um dos entrevistados mostrou ao grupo, em um laptop, fotos das meninas a quem pagava até R$ 8.000 por um fim de semana.

“Essa pesquisa foi fundamental para a gente entender a relação de poder desses caras, de sair com uma modelo com cara de top model, ter essa ‘girlfriend experience’.”

Ela analisa os casos daqueles que querem mais do que sexo. “Marcam um jantar, depois vão para o motel e transam. O dinheiro nunca é na mão, há toda uma ilusão do encontro. O dinheiro vai na conta, depois. Você não tem a transação econômica estragando o barato do encontro”.

A pesquisa também levou, segundo Raffanti, mulheres da equipe da série a desconfiar que namorados e ex-companheiros ou transavam com prostitutas ou já tinham transado. Os respectivos negaram.

Fonte: Folhapress
Créditos: Folhapress