homenagem

Janis Joplin, cantora com o blues nas veias, faria 75 anos hoje

Ela quis fazer show de graça no Brasil, mas ditadura proibiu

“Blues não é música para fazer você se sentir bem. É pra se sentir pior”. A frase é de um personagem de Os Simpsons. Poderia ter sido proferida por Janis Joplin, falecida em outubro de 1970, aos 27 anos, e que completaria 75 anos hoje. Feita com a matéria com que se faz o blues, pouca gente o sentiu tanto quanto ela.

Revelada para os americanos no festival Monterey Pop, em 1967, sua fama até então se restringia a San Francisco, como vocalista do Big Brother & the Holding Company, banda que hoje seria, se muito, uma nota de pé de página na história do rock. Não fosse por Janis Joplin. Porém, mesmo depois do impacto causado no público e na crítica em Monterrey, Janis e a banda continuaram ralando em San Francisco onde, quase literalmente, havia um grupo em cada esquina, tocando pela comida, recusando-se a se vender ao establishment.

O pessoal do Big Brother & the Holding Company não era muito diferente. Em 1967, convidados a participar de Petulia, filme de Richar Lester, que dirigiu os dois primeiros filmes dos Beatles, recusaram-se a assinar contrato com a Warner Brothers. Preferiram trabalhar dentro das regras do sindicato dos músicos, sem contrato, mas ganhando menos. No entanto, o potencial de Janis Joplin era claro demais para os olheiros de gravadoras que circulavam em San Francisco, a capital riponga do mundo.

Três gigantes da história da música americana encontraram-se com Janis no seu pequeno apartamento em Frisco: John Hammond ( o cara que descobriu Billie Holiday, Leonard Cohen, Bob Dylan, Aretha Franklin e Bruce Springsteen, entre outros), Clive Davis (esses dois da CBS), mais Albert Grossman, empresário de Bob Dylan. O establishment batia à porta da Janis Joplin. Mas Janis e Banda estavam presos a uma gravadora nanica local, que receberia, em 1968, 250 mil dólares (uma fortuna na época), para liberar a cantora e a banda.

Janis Lyn Joplin, patinho feio da pequena Port Arthur, no Texas, onde nasceu em 19 de janeiro de 1943, foi reconhecida como cisne. Cantava para espantar seus demônios. No palco era senhora, fora dele se protegia com um bourbon de nome apropriado, Southern Confort, e drogas. Uma delas a mataria, a heroína. Porém, enquanto esteve com a Big Brother, a Janis foi suficiente o bourbon, com eventuais viagens de ácido (quando botavam na sua bebida, prática muito comum para socializar LSD). Em janeiro de 1968 ela engravidou de Paul Whaley, baterista do Blue Cheer, banda de hard rock de San Francisco. Decidiu abortar o filho.

Deu uma breve parada, mas a banda tornara-se uma das mais requisitadas da cena de San Francisco. Sobretudo depois que chegou às telas o documentário Monterrey Pop, de D.A Pennebaker, que revelou também Jimi Hendrix para os americanos.

RIO
Além de San Francisco, duas cidades são importante na atribulada vida da cantora. Nova Iorque, onde gravou álbum de estreia para a CBS, e o Rio de Janeiro, onde procurou refúgio para a roda-viva em que entrou depois de alçada definitivamente à fama. Em Nova Iorque, a menina feia, que sofria bullying na escola, foi capa da revista mais chic do planeta, a Vogue. Em 1968, foi a melhor cantora do ano, deixando Aretha Franklin em segundo. Aos seus demônios internos, tinha acrescentado um externo, a heroína, que levou em boa quantidade para o Brasil.

Em fevereiro de 1970, Janis Joplin desembarcou no Aeroporto do Galeão. Poucos brasileiros tinham ideia de quem se tratava, ou qual sua importância. A imprensa sabia e foi recebida por ela, que concedeu uma coletiva no Copacabana Palace. As perguntas dos jornalistas foram do tipo: “Sua voz vai durar até quando?”. Resposta: “Não me importo se perder a voz. Vou trabalhar em outra coisa. Não quero ser cantora pelo resto da vida. Poderia viver pela praia. Não tô nem aí, contanto que esteja me divertindo”.

Não a deixaram se divertir no Brasil. Foi expulsa de hotéis, perambulou pelas ruas do Rio e Salvador. Não obteve permissão para um concerto gratuito que pretendia fazer no Rio. Veio em busca do sol num país coberto por uma nuvem plúmbea. No dia 18 de setembro de 1970, a heroína corria pelas veias de Janis quando soube da morte de Jimi Hendrix. 16 dias mais tarde seria sua vez. Morreu, só, num quarto de hotel.

JIMBO

A curta carreira de Janis Joplin transcorreu durante os mais turbulentos anos da década de 60. Quando ocorreram os assassinatos de Martin Luther King e Bob Kennedy, as manifestações contra a guerra do Vietnã e os conflitos raciais, mas ela, impassível, passava pelo furacão. Interessava-lhe aliviar-se dos males que lhe afligiam o espírito.

Em 1968, entrevistada para o New York Times por Nat Hentoff, o grande crítico de jazz dos EUA, ela afirmou que não se reconhecia como uma cantora de jazz, queixou-se de ser maltratada quando vivia em Port Arthur, e que lhe interessava o acontecia na música e no palco: “Quando tudo tá de cima, a banda, eu, a plateia, isto é o que comanda. É mágico. Não acho que jamais vou sentir isso com um homem”.

Nos seus últimos dois anos, com a nova banda, Full Tilt Boogie, Janis Joplin recebia tratamento de superstar, com direito a limusine, hotéis de luxo, adiantamentos e cachês polpudos, mas continuava com os pés no chão. Preferia apartamento single, em lugar de suíte. As festas a que ia também eram de superstars, com todos os excessos e autoindulgências.

Janis e a banda foram finalizar o que seria o álbum Pearl no estúdio da gravadora em Los Angeles, onde o The Doors também estava gravando. Foi deste encontro que aconteceu a célebre briga entre Janis e Jim Morrison. Estavam todos tão bêbados ou chapados naquela noite que o episódio tem várias versões. Uma delas é contada no livro On the Road with Janis Joplin (2014), de John Byrne Cooke, o roadie particular da cantora.

Todos concordam ter visto Jim Morrison arrastar Janis Joplin pelos cabelos e bater com o rosto dela num mesinha de centro. Morrison teria dito que Janis não sabia cantar blues, ela teria xingado ele. A cantora livrou-se do vocalista dos Doors, correu e trancou-se num banheiro. Quando voltou a si, tomou-se de ira. Saiu do banheiro furiosa e quebrou uma garrafa de vodca na cabeça de Jim Morrison. Janis pode ter sido uma pessoa atormentada, mas seus últimos anos de vida foram bastante movimentados e divertidos.

Fonte: Jornal do Comércio
Créditos: JOSÉ TELES