briga por bens

Divergências entre filhos circundam o mestre da bossa-nova João Gilberto

Quando certa tarde João Gilberto acordou intranquilo de um sono, encontrou-se em sua cama cercado por bombeiros. Eles haviam entrado pela varanda, pulando a partir do apartamento vizinho.

Tinham sido chamados por Claudia Faissol, mãe de sua filha caçula, preocupada com a falta de resposta do gênio da bossa nova, com quem deveria viajar naquele 16 de maio para Nova York.

Lá, no dia seguinte, João receberia um título honorário de doutor em música, da Universidade Columbia.

“Ele havia combinado comigo de ir ao médico e em seguida viajar, se necessário fosse com o médico inclusive”, disse Claudia à Folha, por e-mail. “Aconteceu que JG acordou na madrugada do dia de viajar, pediu um remédio que ele tinha esquecido de tomar e depois não atendeu mais, nem à porta nem ao telefone. Fiquei obviamente preocupada.”

Segundo ela, João assustou-se e irritou-se com a presença dos bombeiros em seu apartamento no Leblon, zona sul do Rio, mas acabou entendendo o que a levou a pedir socorro.

João Marcelo Gilberto, 56, filho mais velho do cantor, narra a história de outra forma. Alertado por sua irmã Bebel sobre a invasão, foi à residência e diz ter encontrado “desordem por todo o lado”.

“Estive lá e vi pessoalmente as repercussões. Meu pai se sentiu violado emocionalmente em ter seu apartamento invadido por estranhos e estava visualmente agitado.”

Ele diz que o pai lhe pediu que chamasse a polícia, o que o levou a registrar uma queixa contra Claudia na 14ª DP, no Leblon, acusando-a de tentar levar João à força para a premiação, mesmo com a saúde fragilizada.

“É mais do que óbvio que eu não sequestrei João Gilberto. Estão fabricando notícia em vez de ajudá-lo. Ele é quem queria muito ir. Apenas sofri mais uma denunciação caluniosa”, diz Claudia.

Segundo ela, “o próprio JG já respondeu a notícias como essas antes”, posicionando-se a seu favor contra os filhos.

O episódio é apenas o mais recente da série de desavenças entre os familiares de João Gilberto, que completa 86 anos neste sábado (10).

Marcelo e Bebel Gilberto, seus filhos mais velhos, vêm se opondo sistematicamente a Claudia Faissol, que entrou na vida do cantor em 2001, com a intenção de gravar um documentário sobre ele.

Casada à época, ela teve um caso extraconjugal com JG, quatro décadas mais velho, e uma filha com o músico, Luisa –foi ela quem recebeu, em nome do pai, o diploma da Universidade Columbia, em Nova York.

Desde então, Claudia tem sido a presença mais constante ao lado do artista –os filhos mais velhos moram em Nova York e, “por isso, têm acesso limitado ao pai”, como disse João Marcelo, por e-mail.A reportagem também tentou ouvir Bebel Gilberto, por meio de sua assessoria, mas ela não respondeu.

SAÚDE FRÁGIL

Ambas as partes dizem se preocupar com o bem-estar físico e financeiro de JG. A saúde do mestre do violão vem sendo apontada como causa dos sucessivos cancelamentos de shows marcados desde 2008, ano em que fez suas últimas apresentações.

“O músico não está em condições de viajar desde a primeira vez que cancelou sua ida ao Carnegie Hall por razões de saúde [em 2010], situação que só tem se agravado nesses últimos anos”, escreveu o primogênito à Folha, sem especificar que problemas afligem seu pai.

Entre as alegações dadas a produtores dos shows cancelados estavam “problemas musculares”, “hérnia inguinal” e “uma forte gripe”.

Esta última foi a justificativa para o cancelamento da turnê de 80 anos do músico, em 2011, que chegou a ter ingressos vendidos. Como recebera adiantamentos milionários e não os devolveu, JG foi processado e perdeu.

Seus problemas financeiros começaram a se acentuar nessa época, o que o levou a vender para o banco Opportunity, em abril de 2013, 60% dos direitos sobre seus quatro primeiros discos.

O contrato com a empresa também previa que ela assumiria a litigância contra a gravadora EMI por royalties não pagos e lançamentos não autorizados, ficando com metade da indenização a ser recebida por João Gilberto, cujo valor ainda vai ser determinado pela Justiça.

Em troca, o artista recebeu um adiantamento de R$ 5 milhões na assinatura do contrato com o banco e receberia valor idêntico após abrir uma empresa, no prazo máximo de 60 dias. Os R$ 10 milhões seriam descontados da indenização a ser paga pela EMI.

João Marcelo qualifica o contrato como “abusivo e irresponsável”. “Ele foi levado a acreditar que seria um bom negócio, assim como eu quando fui induzido a assinar uma carta sobre isso.”

Diz ter contratado advogados para analisar todos os negócios de João Gilberto. Segundo publicado na coluna de Ancelmo Gois, no jornal “O Globo”, os filhos mais velhos cogitaram pedir a intervenção judicial do pai.

Questionado sobre isso, João Marcelo diz que “eu e Bebel só estamos precisando tomar conta da situação e afastar oportunistas”.

Segundo Claudia Faissol, o embate familiar aborrece JG. “Estive com ele ontem [3/6], e ele não só não apoia o que o filho fez como está muito triste com a maneira como o João Marcelo está se conduzindo.”

Fonte: Folha