Super memória

Conheça a história da mulher que lembra de como era ser um bebê

 

– Uma síndrome rara faz com que Rebecca lembre-se de tudo que viveu desde que era apenas um bebê

A australiana Rebecca Sharrock tem uma síndrome raríssima conhecida como Memória Autobiográfica Altamente Superior. Em entrevista a CRESCER, ela usa sua experiência para dar dicas a pais de crianças pequenas

Já imaginou recordar em detalhes vívidos quase todos os dias de sua vida? É isso que a australiana Rebecca Sharrock, de 27 anos, consegue fazer. Ela tem uma síndrome raríssima – estima-se que ela afeta menos de 100 pessoas no mundo todo – conhecida como Memória Autobiográfica Altamente Superior, que permite lembrar de coisas que aconteceram desde os primeiros dias de sua vida. Rebecca já foi testada por pesquisadores da Universidade da California (EUA) que confirmaram sua condição.

Em entrevista a CRESCER, ela dá pistas, através de suas lembranças, de como o mundo é da perspectiva dos bebês:

Quando você percebeu que era capaz de se lembrar de tudo?

Desde o início da minha vida, eu sabia que era capaz de lembrar de tudo. Mas inicialmente acreditava que todo mundo conseguia fazer isso também, o que me deixava muito confusa nas conversas em que as pessoas demonstravam não se recordar de eventos passados.

Qual é o impacto disso no seu dia a dia?

A Memória Autobiográfica Altamente Superior (HSAM, sigla em inglês) tem um impacto enorme na minha vida, que só agora estou aprendendo a gerenciar. Reviver memórias negativas é a parte mais difícil. É um desafio para mim quando revivo de uma vez todas as emoções que senti no passado. É difícil quando uma memória amarga invade um momento presente que eu deveria estar aproveitando (como um aniversário, o Natal ou um fim de semana divertido). Os fluxos de memória contínuos também me mantém acordada à noite. Para conseguir dormir, preciso colocar uma música leve e suave. Descobri que ela distrai minha mente dos flashbacks.

Qual é a sua memória mais antiga?

Na lembrança mais antiga que recordo, eu estou em um berço enrolada em cobertores brancos de algodão e olho para o ventilador no teto, imaginando o que pode ser. Não sei exatamente qual era a data ou a minha idade (era muito jovem para saber sobre essas coisas). Mas sei que foi antes de completar 12 dias de vida, porque lembro de ter sido fotografada nessa data. E sei que a memória do berço foi antes disso.

O que te magoava quando você era um bebê?

A coisa que mais me deixava chateada era quando sentia que a minha mãe não estava por perto. Tive um apego emocional à minha mãe desde o início.

Quais eram suas atividades favoritas na infância?

Inicialmente, eu gostava de reparar nos detalhes de tudo, desde os objetos ao meu redor até as palavras que ouvia. Não demorou muito para que eu começasse a praticar sons vocais que depois se transformaram em palavras. Depois que eu aprendi a andar, gostava de organizar a gaveta de talheres e brincar com a lista telefônica.

Já que você se lembra de como era ser um bebê, que dica daria aos pais de crianças pequenas?

Se um bebê acorda chorando muitas vezes durante a noite, provavelmente é porque está sonhando. Os sonhos são assustadores para crianças muito novas, porque elas geralmente acreditam que eles são reais e que elas estão saindo da segurança de casa todas as noites. É importante que o bebê saiba que sua mãe / pai está na casa. Uma coisa que me ajudou foi ter boneca de pano colocada perto na minha cama. Quando estava escuro eu acreditava que ela era minha mãe e me sentia mais tranquila. Outra coisa que ajudava quando eu estava com medo de adormecer era sentar com meus pais na sala e fazer algo divertido e cansativo. Eu logo percebia que estava cansada e precisava dormir.

Quando você começou a entender o que as pessoas diziam?

Curiosamente, tenho constantemente expandido minhas habilidades de vocabulário e comunicação até hoje. No entanto, quando nasci, não conseguia entender nada do que me diziam, mesmo que o som de algumas palavras permanecesse em minha mente. As palavras que apreendi primeiro foram as que ouvia com mais frequência, como “mamãe”, “papai” e “com fome”. Aos poucos, expandi meu vocabulário ao ouvir essas palavras que já conhecia em frases.

Qual era o sentimento de querer se comunicar, mas não conseguir falar?

Definitivamente frustração. Poucos meses depois de nascer, percebi que as pessoas ao meu redor se comunicavam entre si. Mas não conseguia entender as palavras. Eu queria desesperadamente poder dizer às pessoas quando sentia fome, calor ou frio, mas não conseguia.

Por que você chorava quando bebê?

Chorava sempre que experimentava algo intenso (como estar com fome, sentir-me mal ou mesmo feliz). Naquela idade, não consegui me comunicar de outra maneira, e percebi logo que o choro aproximava as pessoas de mim.

Você se lembra de algo que os adultos fizeram na sua frente, pensando que você não se lembraria?

Quando era criança, vivia perguntando para minha mãe sobre histórias que ela me contara meses ou anos antes. Uma vez na cama da casa dos meus avós, ela me respondeu: “Não me lembro Becky, foi há muito tempo”. Fiquei muito irritada com aquilo: “Mas, mamãe, um dia isso o que estamos vivendo agora terá sido há muito tempo”. Minha mãe então sorriu e disse: “Sim, mas quando esse dia chegar você não lembrará dessa conversa que tivemos hoje”.

Você dormia bem à noite ou acordava chorando?

No começo, eu podia dormir bem a qualquer hora do dia ou da noite que nunca sonhava. Não tinha um padrão de sono como agora, na vida adulta, e acordava e amanhecia com muita facilidade. Depois de um tempo foi ficando mais difícil dormir durante o dia e com cerca de 18 meses comecei a sonhar. Acordava gritando no meio da noite porque tinha certeza que era real. Lembro-me do meu primeiro sonho. Eu estava em uma sala cheia de frutas e fiquei particularmente fascinada por uma máquina que colocava laranjas em uma caixa de madeira. Acordei muito confusa.

Fonte: Revista Crescer
Créditos: Revista Crescer