CINEASTA ANA PAULA LIDERA O MOVIMENTO: “O objetivo é que o topless seja considerado normal pelas pessoas”

Jornalista e cineasta Ana Paula Nogueira lidera um movimento no Rio de Janeiro que coloca em pauta o debate sobre a prática do topless nas praias cariocas. “Já realizamos uma série de trabalhos junto aos governos e não obtivemos resposta, mas vamos continuar trabalhando para que se torne aceitável culturalmente”

topless
Toplessaço atrai poucas mulheres dispostas a exibir os seios em Ipanema

Jornalista e cineasta Ana Paula Nogueira lidera um movimento no Rio de Janeiro que coloca em pauta o debate sobre a prática do topless nas praias cariocas. “Já realizamos uma série de trabalhos junto aos governos e não obtivemos resposta, mas vamos continuar trabalhando para que se torne aceitável culturalmente”

Por André Lobão

A discussão sobre gênero ganha espaço a cada dia na mídia no Brasil. Hoje temos leis importantes como a Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, que são bastante severas no combate à violência contra a mulher. Mas a sociedade brasileira ainda vive suas contradições quando o assunto é comportamento. O país que criou o biquíni fio dental e que tem a cultura da erotização do corpo até em comercial de cerveja, ainda se incomoda com os seios à mostra na praia. No Rio de Janeiro, o topless foi caso de polícia há 35 anos. Em fevereiro de 1980, duas jovens que tomavam sol sem sutiã quase foram linchadas por outros banhistas na praia de Ipanema que as chamavam de ‘Geni’ em uma alusão a famosa música de Chico Buarque que era sucesso na época. A confusão terminou na polícia.

Hoje, uma jornalista carioca que também é cineasta, Ana Paula Nogueira, lidera um movimento na cidade que coloca em pauta o debate sobre a prática do topless nas praias cariocas. Tudo começou no final de 2013. Um topless coletivo foi convocado pelo Facebook e tinha agregado mais de 50 mil convidados. Mas no dia do ato, na Praia de Ipanema, apenas Ana Paula e outras três ativistas compareceram e posavam para uma multidão de fotógrafos e curiosos. Mas ali, naquele verão, o topless novamente voltava ao debate da opinião pública e ainda, atualmente, ganha espaço. A partir de uma entrevista para o talk ‘Conteúdo’, que vai ser lançado na internet no próximo mês de abril, Ana Paula Nogueira falou sobre, claro, topless,ativismo, feminismo e comportamento.

O que é o movimento ‘Topless in Rio’?

O ‘Topless in Rio’ é um movimento criado a partir do evento ‘Toplessaço’, o primeiro realizado em dezembro de 2013. E resolvemos fazer um movimento para divulgar mais, não só a descriminalização do topless como para combater uma série de outros preconceitos que percebemos a partir do ‘Toplessaço’. É um movimento de valorização da mulher, da quebra de muitos preconceitos em relação ao corpo e na acessibilidade às praias cariocas.

Você fez uma mudança radical. Era jornalista, cobria o mercado financeiro em um veiculo considerado conservador como O Estado de S. Paulo, e mudou radicalmente. Passou a ser uma das ativistas mais respeitadas do Rio de Janeiro. Por que isso, cansou do mercado financeiro?

Eu encarava meu trabalho com muita seriedade. Sou jornalista de formação e fiz cinema posteriormente. O movimento é uma coisa paralela ao meu trabalho. Eu até hoje uso os contatos do meu trabalho em favor do movimento, e acho que isso não atrapalha em nada. Então, independente do que você faz, creio que como cidadão nós devemos lutar por um mundo e uma cidade melhor, e foi isso que resolvi fazer paralelamente ao meu trabalho e a minha trajetória que mudou também não só pelo topless mas quando resolvi largar o mercado financeiro.

O Rio de Janeiro é visto como vanguarda, capital cultural, mas ainda é muito conservador. Você acha que o Rio está atrás ainda de muitas capitais nesse aspecto?

Sim, está muito atrás. Acho que lidamos com essa questão do corpo, comportamento de uma maneira muito voltada para turistas. Vendemos muito de que temos um comportamento mais “globalizado” de vanguarda que no fundo não é o real. Esse é um modelo que achamos bonito desde que seja feito para exportação. É no carnaval, no Arpoador , aonde é permitido o topless e em alguns pontos da cidade, mas de fato as pessoas não se sentem à vontade para fazer um simples topless aqui. E os governantes nem se posicionam sobre essa questão.

Você citou o carnaval. Aquela família dita conservadora assiste o desfile das escolas de samba em que mulheres desfilam bem à vontade, nuas praticamente. Agora, se essa mesma foi família for à praia e ver uma mulher sem a parte de cima do biquíni vai achar reprovável. É essa a situação?

Pois é, no fundo é a hipocrisia, e ao mesmo tempo é a cidade que exportou o fio dental. Então, tudo é uma questão cultural. Com o tempo, acredito que que isso seja feito de uma forma mais natural, a ideia é essa. O topless é menos erótico do que os biquínis que estão na moda. O objetivo não é erotizar o topless, e sim que seja um ato natural, que seja considerado normal pelas pessoas. Eu ouço muitas críticas: “Ah você pode porque tem um corpo legal, e as que não têm?”. Mas o topless não pode ser encarado como um desfile de beleza. Lá fora, no exterior, você tem senhoras de 70 anos, avós, mães com suas filhas que fazem sem medo de serem repreendidas por qualquer outra pessoa ou autoridade policial.

Como você avaliou a repercussão do movimento?

É inegável que teve muita repercussão na imprensa, não condeno a cobertura dela pois é um assunto que ainda chama muito a atenção. Acho muito importante a essa presença pois sem imprensa não conseguiremos mudar essa cultura e fazer com que esse assunto seja debatido sem essa cobertura. E não posso ficar em casa esperando a fada mudar tudo, ao contrário das meninas que fizeram o primeiro movimento, não sou contra a imprensa. Aos poucos nós fomos conquistando a imprensa e a opinião pública.

No primeiro evento fomos motivo de piada pela presença de poucas ativistas, já no segundo percebemos que o assunto foi colocado com mais seriedade, e que gerou um debate sobre o tema do tipo: porque no Brasil o topless é proibido, questões sobre o corpo da mulher, o feminismo que não eram debatidas antes. O fato é que saímos das editorias de Rio e entramos na página Sociedade. Também aconteceu uma repercussão muito grande no exterior, pois os estrangeiros estranham que no Brasil o ato de se fazer topless ainda choque as pessoas e que não exista uma lei que permita isso. O engraçado é que também não temos uma lei que proíba. Então ficamos nesse vácuo se pode ou não fazer topless.

Já realizamos uma série de trabalhos junto aos governos e não obtivemos resposta, mas vamos continuar trabalhando para que se torne aceitável culturalmente. Se o primeiro chamou atenção e o segundo foi mais aceito, no terceiro e quarto a pessoas não vão mais perceber, e é por isso que fazemos os movimentos, as ações não de uma forma grosseira, e nem em um protesto mais agressivo. Nós fazemos de uma maneira mais natural possível. É lógico que um evento como o ‘Toplessaço’ acaba por não ser tão natural, até pelo fato da imprensa toda estar lá, tínhamos mais de 50 fotógrafos no dia 20 de janeiro, e não tem como não chamar a atenção. Então, as pessoas de tanto debaterem vão aceitar com mais naturalidade essa questão.

Nu e expressão corporal, como definir e diferenciar?

O nu por si só é uma expressão corporal até por conta dos tabus o fato de você ficar nu já é uma expressão corporal, e aí pode ser usado de várias formas como expressão corporal.

E o padrão de beleza ditado pelo silicone, hidrogel, maquiagem, a bunda bonita, como avaliá-lo hoje?

A coisa está meio pasteurizada, está tudo muito igual. Não condeno que as pessoas façam, desde que façam conscientes e se sintam bem com isso. O problema é que hoje todos querem ser iguais a alguém, e esquecem que podem ser elas mesmas. Então, tentamos colocar isso em debate a partir do concurso com a eleição da Musa Topless. O engraçado que o padrão é uma coisa moldável, é uma questão também de interpretação. Recebi várias criticas por conta das duas musas escolhidas no concurso: “ Vocês falam em quebra de preconceitos e padrões de beleza, mas acabaram por escolherem duas mulheres lindas”, mas lembro que a Natache Iamaya não conseguia participar de um concurso de beleza por ser cadeirante e a Karla Kiemente, que é bailarina, foi rejeitada em concursos e trabalhos pela idade. São lindas sim, mas não dentro do padrão. Então, claro, todo mundo pode ser lindo, e com a arte conseguimos fazer com que as pessoas também enxergassem isso, e que no fundo não estávamos seguindo esse padrão.

Qual sua visão sobre o movimento feminista no Brasil?

Nós temos hoje algumas vertentes do feminismo. Existe aquele feminismo muito criticado, principalmente pelos homens, e acho com alguma razão pois as mulheres impõem outras regras a outras mulheres. Isso é sair de uma regra machista para entrar em uma regra feminista. Faço parte de um movimento mais light que prega a liberdade, se a mulher quer ser submissa ao homem essa é uma escolha dela. O que não pode é isso acontecer por uma imposição da sociedade, como era há pouco tempo atrás. Se ela quer ter filhos e viver às custas do marido e obedecer ordens dele isso é um problema dela, é uma questão de foro intimo e individual. Precisamos dar liberdade, instrumentos para a mulher fazer suas escolhas e achar o que é melhor para si. Daí pertenço a uma linha de feminismo mais alegre, sem o peso do enfrentamento. Nós fazemos uma ação mais lúdica com objetivo de envolver não só o público feminino, mas o masculino também em prol da causa das mulheres.

Quem é Ana Paula Nogueira?

Uma carioca apaixonada pelo Rio, essa cidade maravilhosa com lindos cartões postais mas que tem muitos problemas. Vivo no Rio, a praia é maravilhosa, faço topless tranquilamente no Arpoador onde é aceito, mas busco uma cidade melhor. Então, é gostoso viver aqui e ter o desafio de tentar transformar a cidade e não se conformar com que acontece como a corrupção, o “jeitinho” exagerado do carioca. Acho que isso já está pejorativo demais e acredito que deve haver uma mobilização para mudar essa cultura.

Foto: Samuel Ribeiro/Instagram