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Temer terá de provar que 'a mala de dinheiro não aconteceu', diz Janot

Até setembro passado, quando ocupava o cargo de procurador-geral da República, Rodrigo Janot se deslocava por Brasília com uma escolta do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Distrito Federal. Mesmo depois de deixar o cargo, anda em carro blindado e com motorista armado quando está no Brasil. Nada mais diferente da vida que leva em Bogotá.

Desde janeiro, o ex-PGR é professor visitante da Universidade de los Andes, cuja sede está a 3.669 km de distância do prédio da PGR em Brasília. “Aqui, sou desconhecido”, diz ele com satisfação, enquanto anda pelo centro da cidade, no trajeto entre a sala de aula e um restaurante próximo. “Só evito lugares muito turísticos”, explica, para não ser reconhecido por visitantes brasileiros.

Janot está ministrando aos colombianos um curso de extensão, chamado “Técnicas Relevantes de Investigação de Crimes de Corrupção”. A disciplina é cursada por alunos que estão concluindo os cursos de Direito e Ciência Política. Na aula da última quarta-feira, acompanhada pela BBC Brasil, Janot fez um relato do trâmite jurídico e dos bastidores do processo de extradição de Henrique Pizzolato, ex-petista que fugiu para a Itália depois de condenado no processo do mensalão. Havia dez alunos na sala.

O ex-PGR ministra o curso em espanhol, não sem tropeçar em algumas palavras (em um dado momento lhe escapou a versão em castelhano do termo “marmita”). A primeira parte do curso, conta ele, foi uma espécie de introdução para explicar o contexto brasileiro aos alunos colombianos. A partir de agora, todas as aulas serão sobre casos concretos, diz. Serão debatidas duas investigações colombianas e duas brasileiras: a apuração contra o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) e a delação da Odebrecht. “A Lava Jato, para os colombianos, está totalmente ligada à delação (da empreiteira)”, explica.

O acordo de Marcelo Odebrecht e companhia e o processo contra Cunha são apenas alguns dos casos nos quais Janot atuou. No comando do Ministério Público de 2013 a 2017, o mineiro de 61 anos chefiou desde o começo as investigações da Lava Jato contra políticos que tinham foro no Supremo Tribunal Federal. Um processo cujo marco, segundo ele, foi a delação do ex-senador Delcídio do Amaral, no começo de 2016.

“Ali, nós queimamos a última ponte”, diz. Segundo os dados do Ministério Público Federal, atualizados até janeiro deste ano, já são 121 pessoas com acordos de delação submetidos ao Supremo Tribunal Federal (STF), todos durante a gestão dele.

Algumas dessas delações entraram para o folclore político brasileiro: Janot conta que ganhou recentemente uma camiseta com o famoso diálogo da delação premiada de Sérgio Machado, na qual o ex-diretor da Transpetro e o senador Romero Jucá (MDB-RR) falam em um “grande acordo nacional”, “com o Supremo, com tudo”, para “estancar a sangria”.

Em longa entrevista exclusiva à BBC Brasil, o ex-PGR fala sobre a necessidade de sair do Brasil (“a pressão ainda continuava muita”), e sobre o que fará depois que deixar o Ministério Público (ele diz que não se aposentará em 2018, mas dá a entender que poderá fazê-lo em 2019). O ex-PGR só descarta a advocacia criminal (“não tenho estômago”).

Janot faz ainda um balanço da Lava Jato, que completa quatro anos neste sábado, e é duro com o presidente Michel Temer: depois de deixar o cargo, diz ele, o emedebista terá que responder às denúncias, e sustentar que “a mala de dinheiro não aconteceu. Que a compra do silêncio (de Eduardo Cunha) não aconteceu”.

O ex-procurador-geral também subiu o tom em relação à sua sucessora na PGR, Raquel Dodge. Ele nunca pronuncia o nome de Dodge, mesmo em conversas informais. E diz que “pouco tem ouvido falar” da atuação de Dodge no combate à corrupção. “Não sei se é porque estou longe, aqui na Colômbia”, diz.

Na equipe mais próxima do ex-PGR, houve até casos de pessoas que adoeceram por causa do estresse da Lava Jato, conta. Por isso tudo, foi preciso “me retirar, para que eu pudesse recompor forças”. Quanto a Bogotá, cidade andina a 2,6 mil metros de altitude, as únicas queixas são quanto ao clima frio e seco, que lhe provoca sangramentos no nariz, e o trânsito.

Janot alugou um apartamento mobiliado próximo da universidade e mantém o hábito de receber os amigos: no sábado, preparará um almoço mineiro para os colegas de mundo acadêmico. “O problema é que no apartamento eu só tenho três: três pratos, três garfos…

Fonte: Redação
Créditos: BBC Brasil