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Motoristas do Uber buscam direitos trabalhistas na Justiça

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Rodam nas ruas do país hoje mais de 50 mil motoristas cadastrados no aplicativo Uber. A relação entre a empresa e os profissionais, porém, tem dado os sinais iniciais de desgaste, e já surgem os primeiros processos trabalhistas contra a gigante norte-americana, que em junho deste ano valia US$ 62,5 bilhões. No Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT3), que abrange Minas Gerais, já são quatro processos em andamento, com audiências marcadas para 2017 e 2018.

“O Uber está prejudicando os motoristas. O valor da tarifa não se sustenta, mas quem fica com o prejuízo é o dono do carro. Quando a ficha cai, no caso dos que estão há mais tempo rodando, os novos substituem. A maioria das pessoas que entrou é porque perdeu o emprego, elas não sabem o que estão fazendo”, afirma Wagner Martins de Oliveira, 56, o primeiro motorista a entrar com um processo trabalhista contra a empresa no Brasil.

Wagner entrou na Justiça para requerer R$ 40 mil em função de vínculo empregatício, mais R$ 80 mil de um veículo que ele financiou para trabalhar com o aplicativo. Ele conta que foi afastado do Uber sem poder se defender. “Eles dizem que me tiraram porque a avaliação era baixa, mas eu não acredito. Esses índices são manipulados”, diz.

Essa também foi a motivação de Artur Soares Neves, 29, para entrar na Justiça do Trabalho. “Eu tinha uma avaliação muito boa e me tiraram do aplicativo. Fui até o escritório do Uber para entender o motivo, mas eles não falam. Dizem apenas que foi mau uso do aplicativo”, relata Artur.

Outros motoristas que usam o aplicativo, porém, discordam dos processos. “Não vou dizer que é bom. Estou no Uber porque não tenho opção, fui dispensado do emprego e não consigo recolocação. Mas acho que falar em relação trabalhista é desonesto, porque no contrato está lá, sem vínculo; usa o aplicativo quem quer”, afirma um ex-professor que hoje é motorista do Uber e optou por não se identificar.

Exaustivo. O advogado trabalhista que atende Neves no processo, Pedro Zattar Eugenio, diz que outro problema é a extensa jornada de trabalho para garantir uma remuneração pequena. “Tenho um cliente que trabalhava 14 horas por dia para ter um ganho de um salário mínimo”, afirma Eugenio, sobre outro cliente que também processa o Uber.

Mesmo não considerando o processo, o ex-professor confirma a jornada exaustiva. “Trabalho 12 horas por dia para pagar as contas. O valor (da tarifa) é muito baixo”, diz. “Se o motorista colocar na ponta do lápis combustível, desgaste do carro, impostos, multas, vai ver que não vale a pena”, completa.

Sem segredo

Negados. Os pedidos para que os processos do TRT 3ª Região corressem em segredo de Justiça feitos pela Uber foram indeferidos pelos juízes pelo caráter de interesse público que possuem.

 

CONTROVERSO

Vínculo divide especialistas

A legislação brasileira determina, que para haver vínculo empregatício, devem existir quatro elementos na relação de trabalho: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.

Para o advogado especializado em direito digital Bernardo Grossi, todos esses elementos estão na relação entre motorista e Uber. Ele explica que a pessoalidade existe porque o motorista se cadastra e apenas ele pode conduzir o carro; não é um trabalho eventual, mesmo que o condutor defina horários específicos; quem paga o motorista é a Uber, e quem define as regras e a tarifa é a empresa, o que denota subordinação. “Se a empresa estabelece um negócio antigo, não adianta usar o pretexto de que é inovadora. A Uber é uma empresa de transporte, e no meu entendimento existe vínculo empregatício”, diz.

Já o advogado trabalhista Léucio Leonardo afirma que não vê a “menor possibilidade” de se configurar uma relação de emprego. “A pessoalidade existe, não há dúvida, mas não há remuneração: quem paga o motorista é o passageiro, a Uber apenas repassa o dinheiro. Não existe empregado que fica com 75% da renda e o empregador com 25%. Além disso, não há subordinação, o motorista trabalha quantas horas quiser”, argumenta. Ele destaca que “em uma relação de emprego, a ferramenta de trabalho nunca é do empregado, não é ele que assume o risco. Já com o motorista da Uber, o risco é dele”, explica. (LP)

 

Aplicativo responde e salienta independência do profissional

Segundo a Uber, os motoristas são “parceiros” e “empreendedores que escolhem usar o aplicativo porque, além da renda, buscam independência”, afirma a nota enviada.

“Hoje já são mais de 50 mil motoristas parceiros que geram renda para si mesmos e suas famílias ao toque de um botão usando a plataforma da Uber. Esses parceiros são empreendedores que escolhem usar a Uber porque, além da renda, buscam independência no seu dia a dia, ao invés de uma relação empregatícia de subordinação a uma empresa ou chefe. Como são independentes, os motoristas parceiros da Uber podem, por exemplo, recusar viagens, ou determinar quantas e quais horas querem trabalhar. Mais que isso, é importante ressaltar que não é a Uber que contrata os motoristas, mas os motoristas que contratam a Uber – eles escolhem usar o aplicativo, de forma não exclusiva, para encontrar usuários na sua região e fornecer seus serviços de transporte individual privado”, diz a nota na íntegra. (LP)

PONTOS DE VISTA

“O carro é avaliado, o motorista precisa oferecer água, bala, ar condicionado, e quando ocorre uma avaliação ruim, ele é desligado. É subordinação”. João Rafael Guimarães, advogado

“O motorista é empreendedor, porque empregado não assume risco. Ele roda no horário que quer, não tem definição de horário”. Léucio Leonardo, advogado

Fonte: O Tempo