mudança de vida

Ex-detentos criam clube do livro e descobrem o poder da literatura

Mãos que um dia seguraram armas, agora carregam livros. Antigos parceiros de crime decidiram, ao sair do sistema penitenciário, mudar radicalmente a história de suas vidas. Como parte da transição, criaram um clube de leitura, há 1 ano. Desde então, encontram-se mensalmente para discutir ideias, pensamentos e impressões.

Reconheceram muito de si mesmos em Jean Valjean, o protagonista de Os Miseráveis, do escritor Victor Hugo. O romance sobre desigualdade social foi escolhido como o primeiro da lista. Na trama, o personagem é preso por roubar pão para alimentar sua família. Eles também buscaram refúgio nas palavras de Fiódor Dostoiévski, com Crime e Castigo e sua narrativa acerca da natureza humana.

A iniciativa de criar o clube partiu de Jeconias Lopes, 27 anos. Aos 13, o adolescente cumpriu sua primeira medida socioeducativa, no antigo Caje. Antes dos 18, já tinha 11 passagens pela Delegacia da Criança e do Adolescente. Ao deixar o sistema, o rapaz encontrou um projeto social da igreja Adventista no qual jovens vendiam livros para custear estudos.

Por intermédio desse programa, Jeconias estudou teologia na Universidad Adventista del Plata, na Argentina, onde formou-se em 2017. Lá, ele conheceu o professor romeno Laurentiu Ionesco, responsável por cultivar em Jeconias o amor pela leitura. O educador o apresentou a Victor Hugo, George Orwell e Fiódor Dostoiévski, entre dezenas de outros grandes autores.

Foi a primeira vez em que Jeconias teve contato com obras clássicas. Ele é de família pobre, cresceu no bairro do Areal, em Taguatinga, e frequentou escolas públicas. “A gente ia pra escola procurar educação e encontrava droga na porta. A rua não tinha esgoto, asfalto, nada do básico”, relata.

Nesse contexto social, sem uma família estruturada, Jeconias logo foi recrutado pelo tráfico de drogas. Ele perdeu as contas de quantas vezes esteve em unidades de internação. O ponto de virada foi o acesso à educação. “Quem não acredita na mudança nega a própria existência humana. A natureza muda o tempo todo, os planos, por que não as pessoas?”, questiona.

“Se eu soubesse que ler era tão bom, nunca teria usado droga. Leitura é uma viagem muito maior”

Ao voltar para o Brasil, Jeconias reencontrou Joymir Guimarães, 35, seu antigo comparsa em crimes. O colega havia saído recentemente da prisão, procurava um novo sentido para a vida e aceitou o convite de Jeconias para criar o clube do livro.

“Meu pai me ensinou a gostar de ler, mas na adolescência me perdi. Na cadeia, retomei o gosto, li mais de 250 livros, eram como uma janela para o mundo”, diz Joymir, que agora cursa gestão pública.

Depois de ler Crime e Castigo, Joymir quis saber mais sobre Dostoiévski. Descobriu que, em abril de 1849, aos 27 anos, o escritor foi preso acusado de integrar um grupo clandestino e conspirar contra o imperador Nicolau I da Rússia. Executou trabalhos forçados na prisão e usou o conhecimento em suas obras. O gênio, respeitado mundialmente, era um ex-detento, como ele.

Amizades que transformam

Quando cumpria a pena, Joymir encontrou apoio em quem menos esperava. Fez amizade com um policial civil que levava livros para ele. “Hoje em dia, almoço na casa dele, somos amigos de verdade. Essa relação é muito rara. Às vezes, tudo que a pessoa precisa é de uma oportunidade”, afirma.

O grupo encontrou apoiadores como Ana Maria Villa Real. A procuradora do trabalho incentiva os rapazes ao convidá-los para palestras voltadas a sensibilizar empresas a contratarem egressos do sistema penitenciário. “A educação tem o poder de resgatar o jovem para o caminho do bem, de resgatar os princípios que a vulnerabilidade social corroeu”, pontua.

É essa chance de mudança que Joymir e Jeconias querem oferecer a outros jovens. Os homens do clube – já são 10 no total – visitam centros de internação de menores e presídios para contar suas histórias em palestras. Em uma delas, conheceram Alessandro da Silva Maciel, 20, atual integrante.

A leitura mudou algo em mim, despertou a vontade de mudar minha índole criminosa, iniciou um conflito interno entre o bem e o mal”

Aos 12 anos, Alessandro já cumpria medida socioeducativa. Era o destino de grande parte das crianças da vizinhança onde ele nasceu, em Sobradinho. Os desvios começaram com a curiosidade de experimentar drogas. Logo o menino deixou a escola. Após ouvir uma palestra durante a internação, Alessandro quis saber mais sobre o clube do livro. Apaixonou-se pelo que leu e ouviu. “Gostei muito do Código da Inteligência, do Augusto Cury, me abriu pensamentos que nunca tinha imaginado”, diz.

 

Fonte: Metrópoles
Créditos: Metrópoles