missão impossível

Após vazamentos e fraudes, Enem aprimora esquema de segurança

RIO – No próximo domingo, 6,7 milhões de candidatos enfrentarão o primeiro dia de uma maratona de provas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Junto com o nervosismo, um receio: vazamento das provas. Na edição de 2009, a data do exame teve que ser mudada depois que um caderno com as questões originais foi retirado da gráfica e colocado à venda. Desde então, o processo para evitar falhas assim foi sendo aprimorado para que não haja chance de algum erro desse tipo acontecer.

— Nós tomamos todos os cuidados com quem faz a prova. O esquema de segurança é quase doentio. O maior perigo que eu vejo e que eu posso controlar é aquele que vem de dentro. Esse eu acho que está controlado. Mas existe o imponderável fator humano — afirma Maria Inês Fini, presidente Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia federal ligada ao Ministério da Educação (MEC), que aplica o exame.

O número expressivo de candidatos e a aplicação presencial em 1.725 cidades de todo o país diferencia o Enem de outras provas de mesma relevância pelo mundo. Maior que ele, só o gao kao, prova de admissão ao ensino superior da China , com 9 milhões de candidatos. Nos Estados Unidos, o Scholastic Aptitude Test (SAT) pode ser feito até sete vezes durante o ano, mas seu uso pelas universidades não é homogêneo como acontece no Brasil.

— O SAT possui um banco de questões cadastradas desde muito tempo e consegue montar a aplicação de uma maneira que não há problemas em diversas realizações anuais — afirma Peter Schwartz, diretor de risco do grupo que aplica o exame americano.

Ainda assim, a logística do Enem e sua prematuridade — o novo formato foi introduzido em 2009 — impressionam o especialista:

— É muito recente para o tamanho como é feito. Não tive muitos dados sobre os procedimentos, mas, vendo de longe, chama a atenção.

NOVOS DESAFIOS NA EDIÇÃO DESTE ANO

Neste ano, dois novos desafios se aplicam à já embaraçosa logística: a aplicação da prova em dois domingos — até ano passado elas eram feitas no mesmo final de semana — e o exame personalizado, pois cada candidato receberá uma prova com a sua identificação. Questionada se essas modificações poderiam trazer brechas na segurança, Maria Inês acredita que o profissionalismo da logística permanece.

— Eu acho que não. Lembre-se que (em 2009) o fraudador estava dentro do processo. Isso é a pior coisa que pode acontecer. Ele estava trabalhando. Nós nos esforçamos muito para que esse tipo de brecha diminua. O erro humano pode existir, mas tentamos reduzi-lo à menor escala possível — pondera Fini.

A operação envolve diversas instituições. Forças Armadas, Polícia Militar e Bombeiros, por exemplo, auxiliam o MEC na realização do Enem. O somatório de forças é uma das medidas que foram sendo aprimoradas desde o principal vazamento.

— O que se aprendeu é que o Enem é feito com vários outros órgãos. Isto é uma coisa brilhante. Quando existe todo esse cuidado com o exame, a sociedade ganha confiança e fica a sensação de que podemos, sim, ter um processo desta magnitude confiável e seguro — afirma Eunice Santos, diretora de Gestão e Planejamento do Inep.

O aprendizado não foi algo súbito. Ele vem de um longo processo que teve, em 2009, o seu momento de maior tensão.

— O exame passou por uma grande crise e saiu muito maior do que entrou. Ele aprendeu com seu próprio erro e nós também. Temos um procedimento absolutamente seguro e que a cada ano se aperfeiçoa — avalia Eunice.

Uma das mais sensíveis diferenças no procedimento de oito anos atrás para o de 2017 está na própria gráfica. O local, que em 2009 foi o ponto inicial do vazamento, atualmente possui diversas restrições a funcionários e em relação ao manuseio e visualização da prova. Ele é limitados a poucos profissionais, todos com cadastros enviados para a Polícia Federal.

O grande resultado que a organização busca, ao fazer o exame, é garantir que o candidato tenha tranquilidade para que, sem fraudes e erros externos, alcance a nota máxima.

— É muito ruim quando a gente percebe que há pessoas que conseguem uma vaga, de forma injusta, em um processo seletivo. Não pode ter nada que desmotive mais do que uma fraude em um processo em que as pessoas se dedicam — declara Eunice.

TRAPAÇAS E CANCELAMENTOS NAS EDIÇÕES ANTERIORES

No dia 1º de outubro de 2009, o então ministro da Educação Fernando Haddad veio a público anunciar o cancelamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A notícia foi vista como um desastre para o governo já que a prova tinha sido totalmente reformulada naquele ano e tinha como meta ser a principal via de acesso ao ensino superior. A anulação aconteceu após uma reportagem do Estado de S. Paulo mostrar que um grupo tinha tido acesso às questões e tentou vender a reportagem do jornal. O furto da prova aconteceu dentro da gráfica, a Plural,por três funcionários que faziam parte de uma das empresas integrantes do consórcio contratado pelo governo.

Na época, a Polícia Federal considerou a segurança do ambiente como amadora. Como solução, o Ministério da Educação (MEC) anunciou uma nova aplicação dois meses depois. O consórcio Conasel foi trocado pelo Cespe/Cesgranrio, que atua na prova desde então.

A nova data coincidiu com datas de outros vestibulares. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, foi uma das instituições que mudou a aplicação da segunda fase do seu acesso.

Em 2011, o Ministério Público Federal pediu a condenação dos três funcionários que participaram da fraude. O então diretor Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Reynaldo Fernandes foi demitido um mês depois da segunda aplicação.

Na edição do ano seguinte, outro erro acabou manchando a história da prova. Cerca de 30 mil cadernos estavam com erros de impressão. Exames viam com questões repetidas, trocadas ou até mesmo sem o próprio item. O Inep admitiu a falha, mas afirmou que ela não prejudicaria o Enem,logo a edição não precisaria ser cancelada. Como forma de reparação aos alunos prejudicados, a organização fez uma nova prova só para eles. Porém, a abstenção foi de quase 50%.

Em 2011, alunos de Fortaleza publicaram fotos de um simulado que realizaram uma semana antes do Enem e que continha uma mesma questão da prova oficial. No caso, o professor da escola utilizou um item pré-testado pelo Inep em seu colégio (como todos são em diferentes instituições escolares no Brasil) sem saber da sua procedência. Em 2016, o docente foi absolvido por não ter feito com má-fé.

No ano seguinte, o erro veio no próprio dia da aplicação. Alunos tiraram fotos da prova durante o exame e postaram nas redes sociais. A falha de segurança e a violação do edital feita pelos candidatos culminou na eliminação dos mesmos. Em 2013, a organização anulou a prova de 1.500 candidatos após confirmarem fraude durante o processo. O esquema era feito através de pontos eletrônicos e fiscais de prova envolvidos que forneceram o caderno de questão para quadrilha horas antes da aplicação.

Em setembro deste ano, o Inep anunciou que anulou a prova de 13 participantes. Três deles realizaram a prova em 2015 e os outros dez em 2016. Entre as diferentes estratégias para sabotar a prova, estavam uso de material de comunicação e um grupo de candidatos que se inscreveu como sabatistas para realizarem a prova juntos e passarem respostas das questões entre si.

Fonte: O Globo
Créditos: O Globo