intimidação

Anistia ao caixa 2 inclui corrupção e lavagem de dinheiro, diz Dallagnol

Para coordenador da Lava-Jato, proposta de punir juízes e promotores por crime de responsabilidade é intimidação

Deltan Dallagnol

Integrante da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol criticou nesta segunda-feira, em debate no Rio, a proposta em discussão no Congresso para punir juízes e procuradores por crime de responsabilidade e a articulação para anistiar o caixa dois. Ele disse que se buscou, com um jogo de palavras, anistiar, na verdade, a corrupção e a lavagem de dinheiro.

Esse jogo de palavras, de acordo com Dallagnol, está na redação da emenda, que diz que a anistia é para os “crimes relacionados” ao caixa dois, o que incluiria os crimes de lavagem de dinheiro e corrupção que tenham sido praticados com o objetivo de criar uma contabilidade paralela de campanha.

– A ideia de anistia ao caixa dois não é mais do que um jogo de palavras. A redação proposta é de anistia à corrupção e à lavagem de dinheiro relacionados ao caixa dois. Isso é confirmado pelo fato de que não há razão para alguém temer o processamento pelo crime de caixa dois. Não conheço ninguém que tenha sido processado e condenado pelo crime de caixa dois. Isso é raro, e a Lava-Jato não tem por objetivo (investigar) o crime de caixa dois. Isso é um crime da Justiça eleitoral e não da Lava-Jato — afirmou o procurador, após no debate “10 medidas contra a corrupção – Propostas de reflexão”, promovido pela FGV Direito Rio.

Neste domingo, o presidente da República Michel Temer (PMDB), ao lado dos presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros (PMDB-AL) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que eles não vão “patrocinar” qualquer movimento a favor da aprovação da medida que anistia o caixa dois. O anúncio aconteceu após o caso Geddel provocar uma crise no governo.

Ao falar sobre a corrupção no país, o procurador disse que, em média, apenas três em cada 100 acusados são punidos e, desses, nem todos vão para a cadeia, já que geralmente a pena aplicada é a mínima e, com isso, quando alguém é condenado, presta serviços comunitários.

Durante o debate, o procurador disse que a Lava-Jato não transformará o país. Para ele, se nada for feito, “vamos ter novas Lava-Jatos”.

— A Lava-Jato vai transformar o Brasil? Não. A Lava-Jato não vai transformar. É mais um caso criminal como foi o mensalão. As pessoas acharam que o mensalão ia mudar o Brasil, e o mensalão não mudou o Brasil — disse Dallagnol.

Para o procurador, se não mudarem as condições que propiciam os casos de corrupção, não haverá transformação no país. No debate, ele listou as 10 medidas contra a corrupção e elencou casos, como o dos Anões do orçamento, em que nenhum político foi punido. Dallagnol citou ainda que no caso do processo que envolveu o ex-senador Luiz Estevão, condenado a 31 anos de prisão por desvios na construção do fórum trabalhista de São Paulo, em que os réus protocolaram mais de 80 recursos. O procurador da força-tarefa da Lava-Jato disse que as 10 medidas contra a corrupção, elaboradas por diversos especialista e cujo conteúdo recebeu o apoio de 2 milhões de pessoas que assinaram a proposta, são a ponte entre a indignação e a transformação. O procurador também falou sobre uma de suas maiores preocupações:

— A minha maior preocupação é que hoje a gente não tem praticamente nada para gerar uma celeridade maior dos processos — afirmou.

Com relação à proposta de punir juízes e promotores por crime de responsabilidade, Dallagnol disse que é um projeto de lei da intimidação e disse que a redação é muito ampla. O relator do projeto que reúne um conjunto de medidas de combate à corrupção, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), retirou de seu parecer a proposta que ele mesmo havia apresentado.

— Isso faria com que o investigados processem investigadores. Isso faria a vida de qualquer juiz e promotor um inferno porque grandes investigados, como Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, poderiam manejar, com todos os recursos que têm à disposição, ações contra juízes e promotores. Isso seria feito não por um órgão imparcial, mas pelos próprios investigados a fim de intimidá-los.

Sobre as críticas de que o uso das prisões na Lava-Jato tem o objetivo de pressionar os réus a fazerem delação premiada, Dallagnol afirmou que 70% dos que assinaram o acordo não estavam presos.

– Por que não tem um grande número de colaborações como tem na Lava-Jato? Qual é a diferença? A razão pela qual não temos grandes acordo de colaboração no Brasil é que o sistema não funciona. A vala comum é a impunidade. Por que o réu vai fazer um acordo em que reconhece os fatos, concorda com a diminuição de pena, mas vai se submeter a uma pena, entrega novos fatos e provas que a gente desconhecia e ainda devolve o dinheiro desviado se ele consegue a impunidade ou tem uma grande probabilidade de impunidade? Ela não faz (a delação) – afirmou o procurador.

CRÍTICAS ÀS DEZ MEDIDAS

Professor da USP, o advogado Pierpaolo Bottini disse que os exemplos citados por Dallagnol como casos de impunidade e de excesso de recursos tem como base outra legislação processual penal. Ele afirmou que entre 2012 e 2013, ela foi alterada significativamente, com quatro leis aprovadas: uma alterou a prescrição de crimes, outra trouxe mudanças relativas à lavagem de dinheiro, a lei de crimes organizados regulamentou a delação premiada e, por fim, a lei anticorrupção, que criou responsabilidade objetiva de empresas em atos de corrupção.

– Quando se cita exemplos de trás é preciso lembrar que legislação processual daquela época é diferente da de hoje que permite a Lava-Jato e outras operações – disse o professor da USP.

Bottini critica ainda um dos argumentos das 10 medidas contra a corrupção de que o excesso de recursos propicia a lentidão do julgamento dos processos:

– De 106 mil processos no STF, de 1988 a 2016, apenas 2% eram embargos de declaração. Não me parece, portanto, que o processo de impunidade é causado pelos recursos.

Professor da FGV Direito Rio, Thiago Bottino criticou os pedidos de mudanças para os habeas corpus, também previsto nas dez medidas. O Ministério Público Federal (MPF) queria, por exemplo, evitar a concessão de habeas corpus em caso de cassação de decisão que não tangencie diretamente o direito de ir e vir. No debate, Dallagnol disse que, muitas vezes, esse instrumento é usado indiscriminadamente. O ponto envolvendo os habeas corpus foi retirado na comissão especial da Câmara.

– As mudanças nos habeas corpus não podem voltar (ao projeto). E aqui tem uma crítica às dez medidas, que, em um determinado ponto, reproduzia o texto do AI-6, impedindo habeas corpus como substitutivo de recurso, algo que só aconteceu na ditadura – afirmou o professor da FGV Direito Rio.

Fonte: O Globo